Tinha pouco mais de dez anos, frequentava o então primeiro ano do antigo “ciclo preparatório” da Escola Industrial e Comercial de Ponta Delgada, na ocasião, funcionando em edifício adaptado para tal ao fundo de uma pequena quinta paredes meias com o Jardim José do Canto, quando tive o privilégio de conhecer, no desempenho do seu mester, o professor “baleeiro”.
Tal como eu, muitos, estou certo, foram os alunos por ele indelevelmente marcados pela forma simples, prática e à vontade, com que connosco tratava e nos confrontava com a língua e a literatura portuguesas enquanto meigamente trincava a boquilha do cachimbo que mantinha, quase permanentemente – muito do tempo apagado – no canto esquerdo da boca (“O fumo do meu cachimbo” era só para os jornais). Isto para além da sua característica voz: um acentuado sotaque picoense; palavras ditas de forma muito pausada; timbre rouco, nem sempre fácil de entender e com uma sonoridade que parecia resultar da enorme caixa de ressonância por onde o verbo passava, como que indeciso, por estar melhor destinado para a escrita do que para a fala. Talvez por isso, entre nós, alunos, e de forma mais carinhosa do que ofensiva, lhe chamávamos “Fanfan”.
Tal como eu, muitos, estou certo, foram os alunos por ele indelevelmente marcados pela forma simples, prática e à vontade, com que connosco tratava e nos confrontava com a língua e a literatura portuguesas enquanto meigamente trincava a boquilha do cachimbo que mantinha, quase permanentemente – muito do tempo apagado – no canto esquerdo da boca (“O fumo do meu cachimbo” era só para os jornais). Isto para além da sua característica voz: um acentuado sotaque picoense; palavras ditas de forma muito pausada; timbre rouco, nem sempre fácil de entender e com uma sonoridade que parecia resultar da enorme caixa de ressonância por onde o verbo passava, como que indeciso, por estar melhor destinado para a escrita do que para a fala. Talvez por isso, entre nós, alunos, e de forma mais carinhosa do que ofensiva, lhe chamávamos “Fanfan”.
Na falta de palavras melhor adequadas, permitam-me usar as do próprio para aqui deixar este humilde registo em memória de quem, de forma magistral, descreveu, também em verso, substantiva parte dos Açores, e da vida dos açorianos:
AS ILHAS DOS AÇORES
(…)
As pérolas do Atlântico
Muita gente lhes chamou
São o resto da Atlântida
Que neste mar se esfumou.
Este grande continente
Que há muito sossobrou
Levou consigo toda a gente
Nem um habitante escapou.
Diz-se que esse povo guerreiro
Muitos povos massacrou
Que Deus do mundo inteiro
O destruiu e castigou
Restam estas nove ilhas
Eram os pícaros das serras
Encontradas pelos navios
Que buscavam novas terras.
(…).
Ou, já num registo mais próximo daquele que todos conhecemos; o da habitual, e militante, intervenção social:
Minha vida foi baleeiro
Nesta maldita Calheta
Mas em vez de dinheiro
Saiu-me foi uma peta
Mentiram os armadores
mentiram os oficiais
mentiram os trancadores
motoristas e arrais.
Neste sarilho de enganos
também eles são enganados
mentem há muitos anos
mas nunca serão saciados.
VINTE ANOS DEPOIS – RESCALDO DE UMA VIDA
(…)
Eu sou filho de baleeiros
e neto de pescadores
nesta vida os primeiros
nestes mares dos Açores
Deram vida à Freguesia
deram vida aos Açores
quando por aí só havia
miséria com seus horrores
Pescando peixe do fundo
baleias por todo o mar
buscaram por todo o mundo
uma vida para nos dar
Esta vida foi roubada
com bem poucos sentimentos
por uma tão vil cambada
de vis porcos bem nojentos
E quando eu lhes dizia
que era bom acautelar
o que era da freguesia
não se deixava roubar
Faziam troça de mim
olhando muito a sorrir
mas ficavam todos assim
e agora?…querem fugir
(…)
Abril de 1972
Continua a hipocrisia
não recebam os Judas
A. O. 07/10/08; “Cá à minha moda” (Revisto e muito acrescentado)