domingo, dezembro 21, 2014

Os prós dos contras



Há ocasiões em que me lembro imediatamente de Manuel Ferreira, em especial o seu “O ALEVANTE DA ISCA”, sem nunca me cansar de transcrever passagens como: “Lisboa só nos mandava daquelas encomendas!” / “Qual autonomia, nem meia autonomia? Nem na nossa casa uma pessoa manda!”.
Vem isso a propósito do último “Prós e Contras”, programa que nos seus tempos áureos praticamente nos ignorou, mas agora, desgastado no formato e degradado nas audiências, tal como a maioria dos circos e/ou bandas POP nas mesmas circunstancias, vê fora da “Capital do Império” – no caso, numa das últimas colónias – o modo de ganhar folgo e sobrevivência. Valha-nos que, como quase sempre, nem tudo foi mau. As intervenções do Presidente do Governo dos Açores, em especial a de abertura, roçaram o brilhantismo (viu-se que se preparou bem), dando boa imagem do próprio, do cargo e dos Açores. O mesmo se pode dizer da intervenção do Ex Reitor da Universidade dos Açores, Prof. Dr. Machado Pires, cuja “lição” foi também de grande nível. Não obtendo a minha total concordância, há também que considerar as mensagens do Dr. Álvaro Monjardino (sempre inteligente, mas estou cada vez mais impenetrável ao seu discurso bairrista e português/dependente), em especial quando recordou que os portugueses nos deixaram aqui, só de nós se lembrado para, depois, virem cobrar impostos; ou quando comparou o alargamento do território marítimo – do nosso mar: o Mar dos Açores – ao “Mapa Cor-de-rosa”, chamando a atenção para a necessidade de o ocupar (para Álvaro Monjardino, de forma portuguesa/dependente, para mim, cada vez mais sob nosso – dos açorianos – exclusivo controlo!).
De resto foi o resto (que mal ficaram outros bairristas!? / E que dizer do cenário montado em Angra?). Excluindo, claro, a referência ao Dr. José de Almeida e com ela, implicitamente ao processo de total emancipação dos Açores, que continua actual, não uma “estória” com 40 anos, como foi referido. Mesmo que convidados à última da hora e após vários recados (alguns muito directos), estavam presentes independentistas. Foi pena que, sobre o assunto INDEPENDÊNCIA, não lhes fosse dada a palavra, ao invés de sobre este assunto ela ter sido atribuída ao congressista açor-americano Tony Cabral: isto sim, no mínimo, merecia um protestativo vigoroso agitar de bandeiras: das nossas!

AO. 20/12/2014; “Cá à minha moda" (revisto e acrescentado) 

domingo, dezembro 07, 2014

José de Almeida: a obra e o sonho



A ignorância de muitos e a conveniência de outros tantos tem dado a ideia que a “INDEPENDÊNCIA DOS AÇORES” é CAUSA recente, pós 25 Abril. É falso! Mais aproximado da verdade será dizer que foram as consequências do 25 de Abril – que não só a chegada da Democracia (uma democracia, “à portuguesa”, que até impede a constituição de partidos pró independência nos Açores) – e a histórica e corajosa acção do Dr. José de Almeida o que democratizou a “CAUSA INDEPENDÊNCIA DOS AÇORES”, trazendo até ao povo o que antes fora só uma “QUESTÃO” das elites.
Hoje já é consensual dizer que sem José de Almeida e a sua integra, coerente, frontal e corajosa defesa da INDEPENDÊNCIA DOS AÇORES, nem esta escassa autonomia de que alguns tanto se orgulham teríamos. Isto, sim, é verdade! Mas verdade também é que a “CAUSA” de José de Almeida não foi a autonomia, sim a INDEPENDÊNCIA!
Será – já o era de uns tempos a esta parte – grande a falta que o Dr. José de Almeida irá fazer ao processo de Total Emancipação dos Açores. O seu carisma; as suas inatas capacidades de liderança; o seu histórico percurso; a sua profunda cultura e consistente preparação para o cargo; a sua grande capacidade de gerar consensos; a sua enorme integridade pessoal, tal como a imensa coragem e frontalidade com que sempre defendeu a “CAUSA”, muito dificilmente poderão ser igualadas. Mas a sua OBRA ficou. O mais difícil está feito! Há que saber dar continuidade, e, tal como rezam as escrituras, e foi lembrando em oração fúnebre perante o seu féretro, “a semente só germina depois de morta e lançada à terra”!

O sonho do Dr. José de Almeida – “assistir em vida à INDEPENDÊNCIA DOS AÇORES” – não se realizou! Mas nem todos os sonhos são para realizar. Muitos deles são só e apenas para “comandar a vida”, com a aspiração de INDEPENDÊNCIA DOS AÇORES comandando quase por completo a vida de José de Almeida. Convenhamos, perante tão importante desiderato é quase sempre assim. Lembro, apenas por proximidade arquipelágica, Amílcar Cabral: Ele também não assistiu ao “grande dia”, mas isso não impediu de Cabo Verde ser hoje um país independente!

AO. 06/12/2014; “Cá à minha moda" (revisto e acrescentado) 

sábado, novembro 22, 2014

1923/1975: os outros campeonatos dos primeiros 50 anos da AFPD.


A Associação de Futebol deu os seus primeiros passos em 1923: era a “Associação” a dar os primeiros passos e a I Republica os derradeiros.
Logo em 1923/24 (há coisas que são como o célebre anúncio: “vêm de longe”), tendo como protagonistas os Drs. Francisco Luís Tavares e Lúcio Agnelo Casimiro, começaram as demandas sociopolíticas. Mas então, porque com o tempo iria endurecer, foi mesmo só isso: luta política! Na altura estava muito acesa a querela entre os “velhos republicanos” e os conservadores, muitos deles então ainda monárquicos, sendo que foram os mais conservadores quem depois acabaria por condicionar quase tudo e todos: também, logicamente, e quase por completo, os primeiros 50 anos de vida da Associação de Futebol!
Ao longo da década de vinte – 1924 / 1930 –, e sobretudo depois do 28 de Maio de 1926, novamente com o Dr. Lúcio Agnelo Casimiro encabeçando a falange que já então ganhava cada vez maior preponderância, este confronto político conheceu outro protagonista, o Dr. Jeremias da Costa, que muito a custo conseguiu manter a então AFSM como baluarte de democratas e “velhos republicanos”. Também por isso, em 1929/30, o Dr. Agnelo Casimiro chegou mesmo a criar um organismo alternativo à Associação de Futebol, com Ponta Delgada assistindo a dois campeonatos, que procuravam, cada um deles, “abafar” o outro. Do lado da "Associação", e dos “velhos republicanos”, ficaram o Club União Sportiva; o Sport Club Santa Clara – mantendo-se fiel ao posicionamento do “Santa Clara Velho”; o Operário Sport Club (da Federação Operária de Ponta Delgada); e o Micaelense Foot-ball Club. E do lado da Liga Desportiva Micaelense – foi este o nome do organismo criado pelo Dr. Agnelo Casimiro – e daqueles que a partir de 1931 iriam passar a controlar, quase completamente, os acontecimentos por longos anos, ficaram o Clube União Micaelense e o Clube Desportivo Santa Clara, juntando-se a estes o “Estrela” e o “Artista”, clubes da Ribeira Grande, antecessores do Ideal e do Águia. Esta “revolta” terminou em Agosto de 1930, com a chegada a Ponta Delgada de um Comunicado da Federação Poprtuguesa de Futebol, assinado pelo punho do histórico Ribeiro dos Reis, que ameaçando de exclusão o CUM e o CDSC colocou um ponto final à estratégia da LDM.
A “Revolução das Ilhas”, em 1931, fracassando no seu objectivo de derrubar o Estado Novo, entre nós teve como consequência a “decapitação” dos últimos “velhos republicanos” que estiveram na liderança da Associação de Futebol, os, Dr. Castanheira Lobo e Tenente Luís Lacerda Nunes.
A partir daí acabaram-se as “veleidades democráticas”, e, sempre que estas se esboçavam, lá aparecia uma “mão firme”: com o Sr. Horácio Teves sendo chamado a estas funções por várias vezes.
Tal como o regime, a vida da Associação de Futebol entrou então numa fase de quase perfeita tranquilidade, só suspensa pela interrupção da prática do futebol entre 1942 e 1945, o que aconteceu sobretudo por falta de recintos desportivos, mas também porque a II Grande Guerra atingia então o seu apogeu.
Com o recomeço do futebol federado em São Miguel uma nova geração chegou à liderança da AFPD, foram os casos o Dr. Carlos Bettencourt, embora por pouco tempo – custou-lhe ser apoiante do Movimento Unitário Democrático e, por tal, viu dificultada a tarefa de conseguir reunir os apoios (CMPD e JAPPD) para a obter o necessário recinto desportivo –, do Dr. Fernando Costa Matos, do Arq. Francisco Quintanilha, entre outros. Mas será o Sr. António Horácio Borges, com os quinze mandatos que entre os anos de 1955 e 1972 efectuou como Presidente – muitos deles consecutivamente –, quem, mais do que fazer o “ressurgimento do futebol local” (foi este o que António Horácio Borges atribuiu ao projecto que se propôs dinamizar e executar) acabou levando a cabo uma verdadeira revolução no futebol de São Miguel.
Na transição da década de 60 para a de 70, coincidindo com a “primavera marcelista” e com a aproximação da “nova era” que já se prenunciava, Eduardo Pereira Duarte foi eleito presidente da AFPD, deixando também ele bem visível a sua marca. Com Eduardo Pereira Duarte foi a vez da “revolução” chegar à vida administrativa e financeira da Associação de Futebol, sendo o seu desempenho muito bem acolhido pela imprensa da época, que publicou e elogiou os relatórios de contas e actividade dos seus mandatos.
A inauguração do Aeroporto de Ponta Delgada (na Nordela) e, em consequência disso, a decisão de se não construir o Estádio Distrital na “Mata da Doca”, em Santa Clara, obrigou Eduardo Pereira Duarte a procurar rapidamente outra solução, logo montando, dinamizando e levando a cabo, a campanha de angariação de fundos que se tornou decisiva para construção do Estádio na “Estrada da Ribeira Grande”, ainda hoje, o mais importante palco de futebol em São Miguel.
Já quando o calendário mostrava 1974, a greve dos árbitros, primeiro, e a chegada de Ted Smith, depois, (onde isto nos levaria: Ted Smith foi anunciado como indo do "Estoril" para o Irão, mas, como que conduzido pela “mão invisível do Tio Sam”, apareceu quase de surpresa em Ponta Delgada)… Escrevia então que a greve dos árbitros e a chegada de Ted Smith a Ponta Delgada já anunciavam claramente o que estava a chegar.
Pouco antes de Abril de 1974 João Gago da Câmara chegou à presidência da AFPD, sendo ele o presidente em funções, mas não em presença – fora detido em consequência do 6 de Junho de 1975 – quando terminou a última época dos primeiros 50 anos de vida da Associação de Futebol.
Foi “tão quente aquele verão” que a importante efeméride, o meio século de existência da AFPD, começada a preparar por António Horácio Borges quase uma década antes com a disputa das taças aniversário da AFPD, passou despercebida!
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Tal como já aconteceu com o Sr. Rolando Viveiros, outros presidentes merecem sair da penumbra em que os colocaram. Alguns foram mesmo ostracizados (como foi os casos dos Drs. Francisco Luís Tavares, Duarte Castanheira Lobo e Tenente Luís Lacerda Nunes), podia-se (devia-se), começar por estes. Fica a sugestão! 

AO. 22/11/2014; “Cá à minha moda" (revisto e muito, muito acrescentado) 

sábado, novembro 08, 2014

Referendo sim, mas…



Quer o referendo realizado na Escócia, quer aquele que, na Catalunha, os “espanhóis” tudo fazem para evitar que se cumpra, devem ser casos a acompanhar com mais tempo e maior detalhe do que aqueles que a eles têm sido habitualmente dedicados.
O caso escocês é exemplar. Não só porque nunca “uma derrota” foi tida por tão vitoriosa, mas, e sobretudo, porque a mais velha democracia do mundo, afora as suas deficiências, continua sendo exemplo de boas práticas democráticas, em especial quando comparada com Espanha e Portugal, seus “velhos” e principais competidores na demanda pelo mundo, quando se tratou de construir um Império. Diferente é o caso catalão: ou, aliás, o esforço que “Castela” está efectuado para que o Referendo na Catalunha não se realize (passe o exagero, lembra o que se passou, embora em sentido contrário, no Leste da Ucrânia: prepotência imperial!). O desenrolar do processo dá bem nota de como continuam deixando marca as ditaduras que, praticamente até ao último quartel do século XX, se mantiveram a sudoeste dos Pirenéus. Um estigma tanto mais profundo quanto mais se avança para ocidente na península. É que, apesar de tudo, os catalães – tal como os bascos, galegos, canarinos e outros –, embora agora aparentemente impedidos de se manifestarem em referendo secessionista, já há muito “ganharam” o direito de democraticamente fazerem a defesa das suas aspirações independentistas. Outra, para pior, é – e permanece, após já quase meio século de alguma democracia – a sorte dos Povos Açoriano e Madeirense, a quem esta pretensão não só lhes está vedada como é equiparada a fascismo!   
Numa democracia civilizada e madura, tal como a inglesa, o Referendo é o instrumento ideal para aferir a vontade emancipalista de um Povo. Mas, antes deste, outros passos tiveram necessariamente de ser dados: a organização política dos que defendam este desiderato é um deles (o que até na Espanha já é permitido).

Não consentir a criação de partidos defensores da Independência dos Açores (e da Madeira) é um dos sinais de como é curta, frágil e insegura a Democracia Portuguesa. Será ainda culpa de Salazar?

AO. 08/11/2014; “Cá à minha moda" (revisto e acrescentado) 

sábado, outubro 25, 2014

AFPD: na senda do centenário


Tendo iniciado actividade em Abril de 1923, embora a sua “certidão de nascimento”, cuidada pelo Dr. Agnelo Casimiro e obtida em consequência da revisão estatutária iniciada pelo Dr. Dr. Francisco Luís Tavares em Abril de 1924 (mas só a aprovada mais de meio ano depois) seja de 4/11/1924, a Associação de Futebol de Ponta Delgada (“Associação de Foot-ball de Sam Miguel” até Agosto de 1941) começa a trilhar, a partir da próxima semana, aquela que bem se pode denominar a “Década do seu Centenário”. Percorrido que foi um longo caminho, que iniciado ainda antes fim da I República atravessou duas ditaduras (a Militar e a do Estado Novo), conviveu com a “Primavera Marcelista”, com o “PREC” e com a paixão Emancipalista Açoriana, a AFPD prosperou, como quase tudo e todos, com as vantagens e “virtudes” da Autonomia conquistada pós 24 Abril.
Seguir o percurso das sedes que abrigaram “a Associação” é um – dos muitos – rastos visíveis deste longo percurso de 90 anos. Desde a residência do “presidente proprietário” (Rolando Viveiros), passando pelo escritório do primeiro presidente eleito (Dr. Francisco Luís Tavares), ou mesmo a sua estadia, durante os anos de 45, 46 e parte do de 47 na sede do Clube Desportivo Santa Clara, muitos foram os lugares de poiso da AFPD até conseguir casa própria. A saber: Rua da Esperança; Rua da Cruz; Rua de Lisboa; Rua Coronel Silva Leal; Praça 5 de Outubro; Rua Tavares Resende; Travessa da Conceição; Rua de Lisboa (novamente); Rua Tavares Resende (novamente); Rua da Misericórdia – daí passou para a sede do CDSC, para de lá regressar novamente à Rua da Misericórdia – e Rua Joaquim Nunes da Silva. Quanto a sedes próprias foram duas: a primeira ocupada até 2009 na esquina da Rua Tavares Resende com a Rua dos Capas, sendo a outra a actual: enorme, funcional, construída de raiz para tal!

Por motivos vários refleti mais de uma vez se usaria este tema, hoje, nesta coluna. Enquanto hesitava ocorreu-me o Albano. Ele próprio um “histórico” da AFPD, também quase centenário (embora, em abono da verdade deva dizer que o Albano dos últimos anos fazia inveja ao Albano que conheci em 66/67). RIP Albano. O teu sorriso indicava como estavas em paz. Olha que já me faz falta ouvir, vinda de ti, a expressão: “Seja pela tua saúde” (era muito mais o de davas do que aquilo que recebias)!

AO. 25/10/2014; “Cá à minha moda" (revisto e acrescentado) 

domingo, outubro 12, 2014

Santa Clara: nove anos de Vida Nova



Já vai para uma década que os santaclarenses, conquistando a sua independência em relação a São José, tomaram em suas mãos os destinos da “nova” Santa Clara (a velha Santa Clara, a primeira de seu nome e terceira freguesia a ser criada em Ponta Delgada, foi determinada pelo Bispo D. Pedro de Castilho em 1580).
Completaram-se ontem (escrevo na sexta) exactamente nove anos que um grupo de cidadãos – o passar dos anos só tem vindo a reforçar a opção então tomada –, contrariando e “batendo o pé” à lógica do forte poder então praticamente prevalecente em todo o Concelho de Ponta Delgada, saiu vencedor na disputa eleitoral de 09 de Outubro de 2005. Daí para cá, apesar da “estratégia de retardamento” levada a cabo por quem a partir do “Paço do Concelho” nunca digeriu bem a democrática vitória de Santa Clara - Vida Nova (o caso dos sistemáticos avanços e recuos com a Segunda Rua de Santa Clara é disso paradigma), Santa Clara muito melhorou: foi a requalificação da Príncipe do Mónaco; foi o ordenamento do trânsito a Norte desta, com a construção da “Rotunda Vida Nova” (fim da “perigosa armadilha” que aquele entroncamento representava); foi o valorizar do que sobrou da “Mata da Doca” que deu lugar ao “Jardim Padre Fernando”; foi a total transformação do “Caminho Velho do Ramalho”, incluindo a zona fronteiriça à antiga aerogare (em curso está a demorada deslocalização dos “Tanques do Óleo” e o fim do “buraco negro” em que se tornou o antigo “Matadouro Frigorífico Industrial”).
Como se vê são avanços consideráveis: notáveis mesmo tendo por padrão os que durante o mesmo período aconteceram na “freguesia mãe” – São José!
Satisfeitos? Não! Mas o ânimo que dá, paulatinamente, ir vendo resolvidos um a um a esmagadora maioria dos itens do Manifesto Eleitoral de 2005 proporciona um valioso suplemento de força e determinação para encarar o que falta, sobretudo o que a “estratégia de retardamento” atrasou! Até porque, como é cada vez menos o que está por resolver, mais tempo e dedicação lhe está reservado: é Santa Clara; é Vida Nova; é mesmo assim!

AO. 11/10/2014; “Cá à minha moda" (revisto e acrescentado) 

domingo, setembro 28, 2014

A face visível


Cedo se deu conta da impreparação de Pedro Passos Coelho – e de grande parte da sua equipa – para a governação, tudo se tornando muito mais notado ainda por se tratar de uma administração a ter de ser feita em tempos difíceis e sob condições exigentes, como é o caso. Rápido e fácil foi perceber ter sido “a dívida” a Miguel Relvas e a sua subordinação ao “mundo de Victor Gaspar” aquilo que melhor qualificara o ex-jotinha – em tempos rebelde, liberal e algo esgrouviado – para tão importante quanto difícil empreitada. Claro que na vida há momentos e oportunidades: as “faces ocultas” e demais trapalhadas que antecederam o seu tempo de PM ajudaram bastante, com a convulsão financeira iniciada no Lehman Brothers estendendo o tapete vermelho que ele haveria de passar até “chegar ao pote”.
Porque a ocasião assim pedia, o liberal (nos costumes) rapidamente se transformou num ultra liberal ideológico, defensor do empobrecimento como método de redenção e da eliminação das funções sociais do Estado como forma de reduzir o deficit. Passaram à história as promessas com que ele “abriu caminho”: os impostos que não iriam subir; os despedimentos que não aconteceriam; as tais “gorduras do Estado” que com uma redução mais ou menos significativa nos “gastos intermédios” chegaria e sobraria para “fazer o milagre”. Esqueceu-se disso e de muito mais, olvidando até, para já em parte e apenas temporariamente, as generosas compensações que uma ONG da Tecnoforma lhe havia proporcionado, com ou sem a fundamental cooperação da “face oculta de Relvas”.
Eis mais um bom exemplo de uns e de outros: uns, aqueles que “vivem acima das suas possibilidades” e para quem o empobrecimento é apresentado como redentor; e outros, agora porque convém ditos remediados, outrora tão bem gratificados que hoje se dão ao luxo de esquecer terem recebido num só mês montantes que no caso dos verdadeiros remediados correspondem a alguns (muitos) meses de vencimento. Esta sim – por enquanto, porque dos “off-shores” podem vir mais más notícias – é a face cada vez mais visível do “nosso primeiro”.
Passa fora!

AO. 27/09/2014; “Cá à minha moda" (revisto e acrescentado) 

sábado, setembro 13, 2014

Rigor ou sadismo? / YES




Continua a render – embora cada vez menos, não obstante o cada vez maior esforço do “Ministério da Propaganda” – a já mais que estafada desculpa, para tudo e para nada, da “bancarrota herdada”. Também me insurgi contra o escasso rigor da “Era Socrática”, sobretudo da sua fase final. Mas entre o pouco rigor e o perverso gosto pelo miserabilismo – dos outros (porque para eles nem miséria nem rigor: é ver como cresceram como nunca as “gorduras” relacionadas com os gabinetes ministeriais) – desculpo menos, muito menos, os que com crueldade insistem em optar pela segunda hipótese. Mas, se continuar a evocar a herança de 2011, apesar de tudo, aparenta render, começa já a ser cada vez mais nítido que o legado dos actuais “vivos mortos” irá sair bem mais caro e pesado que a desdita a outros exclusivamente imputada (como se não fosse substancial o contributo dos actuais beneficiários do discurso da “pesada herança” para o agravamento da dita)! O caso GES/BES – com a “procissão ainda só no adro” – é um bom “abre olhos”, tal como o são as “bocas no trombone” em vésperas do aumento de capital, às quais se seguiram estratégicos silêncios, depois dando azo a ridículos “sacudir água do capote”, até dos patronos. Tudo isso demonstra bem como “estes rapazins” pouco mais sabem fazer do que tentar agradar e cumprir a quem deveras os capitaneia (e nem isso fazem bem feito: atendam-se aos queixumes da madame Lagarde e do senhor Silva!).

YES
Aconteça o que acontecer os independentistas escoceses já ganharam. Assim, daqui do meio do Atlântico envio para mais a Norte o meu YES por uma Escócia Independente! Afinal, ao que parece – pelo afã com que os “colonizadores” (sem kilts, mas em suspeita “união reinante”) saindo do seu reduto se foram bater pelo NO –, a Escócia não é um “pesado fardo” para o UK. E porque há “colonizadores” e “colonizadores”, aqui fica também o meu apreço e grande respeito pelos britânicos e sua cultura democrática: como se sabe – e nós açorianos “sentimo-lo na pele” – nem todos os países que dizem prezar a democracia são democráticos de facto. Como se pode falar em democracia quando, simultaneamente, se impede os açorianos de democraticamente organizados em partidos que apoiem a Autodeterminação, poderem também defender a Independência dos Açores?
Eis um bom motivo para alterar a Constituição da Republica Portuguesa!

AO. 13/09/2014; “Cá à minha moda" (revisto e acrescentado) 

domingo, agosto 31, 2014

Rectificativo?

Eis que Portugal já tem mais um rectificativo: um novo rectificativo, para rectificar o rectificativo anterior. É obra: a obra do “Campeão dos Rectificativos”! Uma obra que só por si é um bom indicador da sua impreparação; de como eram falsas as promessas antecipadas; de como o objectivo, encomendado, em vez de ser o “sanear as contas públicas”, mais não é que impor “a ditadura neoliberal”, mandando a esmagadora maioria (“eles” e os compinchas não, como se vê é um viva a fartura) para o conveniente e disciplinador limiar da pobreza. Vejamos: este rectificativo é porquê? Não porque a dívida decresceu, pois esta continua a caminho dos 150%; não porque as “gorduras do Estado” foram, finalmente, “afiambradas”, pois estas continuam a levedar; não porque o Tribunal Constitucional, como eles gostam de dizer, seja culpado “disso ou daquilo”, porque “os chumbos do TC” são só o pretexto. O rectificativo, os rectificativos, são só e apenas porque o que não cresce é a economia (nem pode crescer tal é o “esmirramento” a que a submetem insistentemente)! E “eles” sabem disso, mas são obedientes; coitadinhos; “paus mandatos”!
O PPC rectificador é o mesmo Passos Coelho que dizia ser o seu antecessor incapaz de aumentar a receita sem aumentar os impostos, ou, de forma mais contundente ainda, “ser criminosa a política de privatizações que vendessem ao desbarato os activos públicos”. Quem o ouviu e quem o ouve! Qual Pinóquio qual carapuça. Compará-lo só mesmo aos presidentes dos clubes de futebol que cultivam a máxima do: “o que hoje é verdade amanhã é mentira”. Há até quem já tenha refinado o popularucho aforismo para: “o que da manhã é verdade à tarde é mentira”! É já com estes últimos que PPC compete. Quem nos mandou colocar "o destino" nas mãos de quem na vida pouco mais fez do que cirandar nas “jotinhas”?
E por falar nos que se “fazem homens” à sombra da bananeira esperando pacientemente o dia de “chegar ao pote”: intriga-me o apoio que Seguro obtém nas hostes da actual maioria. Cá para mim – que não estou, nem quero estar, mobilizado para “a guerra dos antónios” – que mais será necessário para demonstrar como Seguro é o melhor seguro de Passos Coelho?

AO. 30/08/2014; “Cá à minha moda" (revisto e acrescentado) 

sábado, agosto 16, 2014

Isto tresanda

Apesar de três anos de vida exaurida, para alguns, para a maioria – e foi prometido que assim não seria; que acabar com as “gorduras do Estado” chegava e sobejava! – e quando se torna óbvio que o resultado deste autêntico “confisco fiscal” (não era esta a expressão que Paulo Portas tanto gostava de usar?) leva sumiço só no tapar do buraco BPN, eis que um novo buraco, desta vez a cratera BES, está no nosso caminho.
A nova tragédia indicia que o “caminho das pedras” é para continuar, para ser trilhado com ainda mais dor, embora o “Comité de Propaganda de PPC” se esforce em dizer que desta vez não será assim; que não serão os “dinheiros públicos” a tapar o buraco; balelas… Dizem isso com o mesmo descaramento com que disseram não ir aumentar impostos nem despedir à farta; dizem isso com a mesma “cara de pau” com que ainda recentemente afirmavam que os problemas do GES nada tinham a ver com os do BES, então ainda uno, seguro, tão recomendável que até mobilizou o Presidente da Republica Portuguesa em defesa de tamanha segurança. Isto antes: antes do acelerado Conselho de Ministros, o das votações virtuais; antes da dicotomia “Banco BOM” “Banco MAU” ter criado um problema que, se não me engano, aprofundará ainda mais a medonha cratera GES/BES; antes “deles”, os principais artistas, se terem colocado “a banhos” e “calado como zorras”; antes de, como se adivinhava inevitável, a realidade (primeiro dando a conhecer documentos pretensamente omitidos e logo abrindo novas e sérias feridas) os desminta, a todos. Antes de tudo isso, mas depois, muito depois, quase um ano depois, de serem conhecidos indícios de gestão fraudulenta no universo do bom, hoje mau e amanhã, quiçá, vilão, “Dono Disso Tudo”!
Foram os Oliveiras Costas e quejandos quem viveu acima das suas possibilidades (até quando financiaram campanhas eleitorais), mas são “os papalvos”, nós, ainda para mais acusados de viver acima das nossas posses, quem paga a factura!
Isto já tresanda, e para acentuar o mau cheiro ficamos esta semana a saber que eles, sempre os mesmos, continuam a “criar gordura”: então o filho de Durão Barroso não foi contratado, por convite, para ir ajudar desregular para o Banco de Portugal…

A.O. 16/08/2014; “Cá à minha moda" (revisto e acrescentado) 

sábado, agosto 02, 2014

CPLP, olé!


Sou a favor de uma total emancipação dos Açores. Da mesma forma – e com a mesma convicção – defendo ser a Língua Portuguesa a grande, a maior, herança que algum dia os portugueses nos irão deixar. Também por isso senti simpatia, desde a primeira hora, pela criação da CPLP: Comunidade de Países de Língua Portuguesa, onde, acredito convictamente (mas não coloco nisto datas, muito menos uma tão curta como dois anos), um dia os Açores – e também a Madeira – se integrarão. O desejo dos Açores, como país soberano, integrarem a CPLP mantenho-o; a simpatia pela CPLP, por esta CPLP (a que resultou da cimeira de Díli), confesso, já não é a mesma. Compreendo, até por constrangimentos paternalistas e outras obrigações, a tolerância que Portugal possa ter para com os deficits democráticos de alguns dos países que com o pós 25 de Abril se emanciparam do seu jugo, para mais, porque dificilmente poderiam haver hábitos democráticos após um processo que insistiu até ao fim (e insiste, agora com balizas mais curtas) no lema “do Minho a Timor, Portugal, Portugal, Portugal…”. Diferente poderia ser se, pelo contrário, como noutros casos, Portugal tivesse em conta o natural direito “dos filhos” a autonomizarem-se e tornarem-se independentes. Mas não foi (nem é), Portugal sempre preferiu (e prefere), o vil desejo de exploração e/ou exibição da sua “imperial” grandeza, ao nobre desígnio de ajudar a desenvolver “os filhos”, já tão adultos quanto ele, e por ventura mais capazes que o “próprio pai” para se governarem sozinhos. Compreendendo a tolerância perante os países surgidos das ex- colónias, já não compreendo – nem aceito as razões hipócritas e interesseiras que as justificam – o alargar desta tolerância a um país como a Guiné Equatorial, permitindo de permeio “tempo de antena” a um ditador facínora que não se importa em pagar seja o que for para ir conseguindo “minutos de fama” no cenário internacional.

A desculpa do evitar ficarem isolados não serve: há ocasiões em que “um corajoso isolamento” até fica bem. Outros portugueses assim fizeram quando, não se preocupando se o faziam sós ou acompanhados, aboliram a pena de morte. Outra gente, outros valores, outra coragem! 

A.O. 02/08/2014; “Cá à minha moda" (revisto e acrescentado) 

domingo, julho 20, 2014

Dois Jotas

Não, este texto nada terá a ver com “jotinhas” ou com os “jotas” que após marcar passo uns anos nas organizações partidárias de juventude, como que por artes mágicas, passam de “jotinhas” a primeiro-ministro ou mesmo, que seja, a candidatos a primeiro-ministro!
Os Jotas que hoje para aqui trago são outros. São Jotas que, atafulhado como ando de novo em “papéis velhos”, ao relê-los, como que recuei mais de quatro décadas, recordando as leituras dos jornais que fazia em tempos de meninice e juventude, em especial das secções desportivas dos diários de então. Refiro-me ao Jota Valadas Júnior e ao J. JOTA. Se do primeiro, embora senhor de um histórico de presenças em jornais bem mais longo, remontando mesmo quase ao tempo do juntar das minhas primeiras letras, além dos extensos e detalhados relatos escritos dos jogos do fim-de-semana – com uma ou outra pertinente polémica de permeio – o que mais recordo foi a sua eficácia em se “esconder” por detrás daquele pseudónimo; já quanto ao segundo, do J. JOTA daquilo que não me esqueço – além da proximidade, antes como agora, já que também é santaclarense e santaclarista (de e do Santa Clara, como se dizia) – era da sua indisfarçável preferência pelo “Santa Clara”, do seu gosto e abordagem de outras modalidades, e que o seu pseudónimo para mim nada encobria. Recordar o J. JOTA destes tempos é também recordar o seu Ford Cortina GT, e, regressando aos “papéis velhos” que nestes dias me atazanam, recordar também a sua capacidade de premunição quando, como “enviado especial” a um “Rally Papper” à Ilha Lilás, vaticinou, dada a capacidade organizativa que testemunhou, a chegada para breve do automobilismo mais a sério àquela ilha.
Um destes dias, discorrendo ambos sobre estas minhas mais recentes incursões pelos jornais das décadas de cinquenta, sessenta e setenta, o J. JOTA emprestou-me um volume – dedicada de carinhosamente selecionado e encadernado – através do qual, sem correr o risco de agravar as alergias “ao pó dos papéis velhos”, reli com mais descanso a quase totalidade das suas colaborações com o então diário “Açores”. Retive e anotei – mas fica para outra – uma interessante entrevista ao "Zé Manél" Costa Pedro. Bons tempos!

A.O. 19/07/2014; “Cá à minha moda" (revisto e acrescentado) 

sábado, julho 05, 2014

A causa: Independência

A opinião de José San-Bento sobre a Independência dos Açores, que há muito conheço, é respeitável – tal como, espero, por ele seja considerada a minha. São opiniões! Diferente é a consistência da causa “Independência dos Açores”: mais que centenária, ao longo dos tempos autonomicamente adiada, mas que não é, nunca será, “causa perdida”!
Causas perdidas, diziam os “senhores do antigamente”, seriam as independências das antigas “províncias ultramarinas”. Como se viu, deixaram de ser (um dia o mesmo acontecerá com a das “ilhas adjacentes”). Já mais recentemente, causa perdida, diziam outros, muitos, seria ver o Governo dos Açores “nas mãos de socialistas”. Como se vê, também aconteceu! As causas, todas elas, só estão perdidas quando não se luta por elas. Se há vontade de as não perder; gente disposta a por elas lutar, um mínimo de inteligência, organização e persistência, não há causas perdidas: mais década, menos década; mais século menos século, são ganhas!
De volta ao escrito de JSBento há a referir que pelo menos num ponto estamos de acordo: dispensava-se, até por uma questão de credibilização da causa, repetir os prés anúncios de Independência (também já defendi o “Independência Já”, mas isso vai para quarenta anos. Nada nos ensina tanto como o tempo: é só querer aprender!). Quanto ao resto estamos em completo desacordo. Há ali muito erro e alguma superficialidade, com a referência à “tertúlia dos românticos intelectuais” sendo disso bom exemplo. Além do muito mais, ao contrário do que foi escrito, naquela tertúlia nem todos são independentistas. Calculo até que no grupo a percentagem dos independentistas (1/3) não deva estar longe do que acontece, agora, em geral nos Açores. A grande diferença é que ali, ao invés do que se passa numa sociedade condicionada pelos ditames da “democrática” Constituição Portuguesa, o tema Independência não é tabu, nem proibido! Logo, fica o exemplo de que, não fora a “democrática” CRP (que impede partidos políticos pró independência), fácil seria – não obstante os 40 anos de desvantagem – aproximar o número de apoiantes “da causa” do número de apoiantes do PS/A ou do PSD/A, onde também não faltam independentistas!

A.O. 05/07/2014; “Cá à minha moda" (revisto e acrescentado) 
http://www.acorianooriental.pt/artigo/a-causa-independencia

sábado, junho 21, 2014

As aclarações

      

Como se necessário fosse, o recente pedido de aclaração que o actual Governo de Portugal, a coberto da maioria que o suporta, tentou obter do Tribunal Constitucional, aclarou, isso sim e mais uma vez, a incompetência e a impreparação de Pedro Passos Coelho, Paulo Portas & Cª. E fê-lo colocando a nu, também uma vez mais, as costumeiras incoerência e prepotência de quem mais não faz do que actuar a mando de outrem, tipo capataz zeloso, sempre focado na sua tão imediata quanto egoísta recompensa, e que, para tal conseguir, “passa por cima” de todo o resto, já nem se dando conta (tampouco se importando) com a espiral de contradição – e destruição – que deixa como rasto. A tentativa valeu porém pelas outras aclarações que permitiu, a primeira das quais ainda nem o “pedido de aclaração” passara de uma intenção. Logo aí ficou aclarado o verdadeiro propósito de quem dizia querer terminar com a figura jurídica da “aclaração”, por considerá-la não ser mais do que uma manobra dilatória. O que de facto, no caso, ficou provado ser! Aclarado também ficou, aos olhos de todos – e evidenciado por alguns deles próprios – o intuito provocador, conflituoso e vingativo da “aclaração”. Mas se dúvidas haviam uma grande aclaração ficou: o “fardo” a carregar; da crise, dos ajustamentos e de tudo o mais, é só para uns nunca para todos. Veja-se como não houve necessidade de esperar pela dita “aclaração” para, no caso dos deputados e dos funcionários do Parlamento, serem logo repostos os cortes de rendimento que tantas dúvidas parecem ainda levantar, mas só quando se trata de outros funcionários públicos? E decoro? E vergonha? E depois esforçam-se em nos convencer que não são todos iguais!

A coluna desta semana do meu amigo José Carlos San-Bento merece resposta – já agora, se calhar até merece também uma aclaração. Vai tê-la. Fica prometida para a próxima oportunidade. São coisas do destino: não é que este ano o 6 de Junho passou sem que eu escrevesse sobre Independência dos Açores, sendo que é um adversário da causa (que defendo) quem me vem “oferecer a deixa”!

A.O. 21/06/2014; “Cá à minha moda" (revisto e acrescentado) 

sábado, junho 07, 2014

Inconseguimento


Não há melhor vocábulo para caracterizar o triste desempenho do actual governo português do que aquele recentemente “inventado” pela companheira de muitos deles e actual Presidente da Assembleia da Republica portuguesa: “inconseguimento”.
“Inconseguimento”, triplo, foi o que aconteceu sucessivamente com a execução de uma das tarefas basilares da governação: a apresentação de um OE acatando os preceitos constitucionais vigentes, que alguns juraram cumprir e todos estão sujeitos.  “Inconseguimento”, permanente, é a tentativa de nos convencer que as falhas resultantes da impreparação, inabilidade e incapacidade deste governo são culpa de outros – e já lá vão três anos: dos que lhes antecederam e/ou dos que lhes obrigam a fazer o que tem de ser feito, não de qualquer forma, mas como deve ser feito! Mas o maior e mais recente “inconseguimento”, digamos que o “inconseguimento” de todos os “inconseguimentos”, manifestou-se no pedido de esclarecimento, ou aclaração como outros dizem, ao Tribunal Constitucional, questionando como resolver o que para um qualquer funcionário competente – já nem falo num consultor jurídico, mesmo que em início de carreira – não surtiria dúvidas. Como se não percebesse logo à partida que o que está em causa é a afronta, a criação de manobras dilatórias, uma atrás da outra, na busca de sucessivos “bodes expiatórios”. Com tanto “inconseguimento”, provado ficou também, o “inconseguimento” da Ministra da Justiça em fazer desaparecer a figura da “Aclaração”, pretendido exactamente para evitar as ditas “manobras dilatórias”. Enfim…
E Passos Coelho, tirando já descaradamente a máscara, começa a demonstrar a sua vontade em substituir o Tribunal Constitucional por um outro qualquer, mais simplificado e simplificador, na lógica do antigamente. Qualquer coisa inspirada mais uma vez em Salazar, em Outubro de 1945. Algo tipo os “Tribunais Plenários”, com juízes nomeados segundo critérios de estrita confiança política, "à maneira"! E assim, a “um presidente, uma maioria e um governo” juntava-se um tribunal alinhado, com isso, quem sabe, evitando tanto “inconseguimento”, até o da sua viagem ao Brasil, para ver um jogo do Mundial ao lado da “patroa”!

A.O. 07/06/2014; “Cá à minha moda" (revisto e acrescentado) 

sábado, maio 24, 2014

Duplamente ocupados e sujeitos


No mesmo dia em que os portugueses vão a votos para o Parlamento Europeu, os Bancos Centrais Europeus, parte responsável no que tem acontecido e muito interessada no que venha a acontecer, estão em Portugal a conferenciar num mediático e interesseiro conclave já comummente apelidado de “Cimeira da Troika”. Logo se saberá, embora já se adivinhe, o que depois irão dizer. O que sabemos – provam-no as recorrentes intervenções de Durão Barroso, Mario Draghi e Christine Lagarde – é que, como parte interessada que são, pelo menos desvalorizar e neutralizar a seu belo prazer o resultado que venha ocorrer, isto eles se encarregarão de fazer! “Os senhores da Troika” podem tudo, até “dar show” em dia de eleições usado temas que, de uma ou de outra forma, estão directamente relacionados com o acto eleitoral a decorrer. É que, mesmo que digam o contrário, é claro que pretendem influencia-lo (como já fizeram e farão até ao último momento). Não há problema; “Tá tudo legal”, já disseram. Um “legal” que não seria, como o passado o comprova, tratando-se de um grande espetáculo (até de simples jogos de futebol)!
Ocupado e sob vergonhosa sujeição é como Portugal se encontra – e nós, Açores, por arrasto! Uma sujeição que é tanto ou mais medonha quanto os “Migueis de Vasconcelos” de agora, tantos são que faltam armários para todos eles se esconderem, até se dão ao desplante de comparar uma data fictícia (17/5/14) com o 1º de Dezembro de 1640. Comparação por comparação; defenestremo-los. E já agora também às “Duquesas de Mântua”! Uns e outros atirados pela janela fora dariam algum alívio. Não que se vislumbre melhorias com a mudança, mas, e porque uma verdadeira solução só virá de grandes transformações no “Império Europeu” a que nos submeteram (sem pedir opinião nem dar cavaco), “enquanto o pau vai e vem folgam as costas”!

E nós por cá, coitadinhos, acomodados e já viciados com as migalhas com que nos vão “domesticando” – só o que os amigos dos “Migueis de Vasconcelos” e das “Marquesas de Mântua” consumiram em BPN’s e PPP’s, bem aplicado, que enorme AUTONOMIA construiria –, cá “vamos cantando e rindo”, e levando por tabela. Até um dia!

A.O. 24/05/2014; “Cá à minha moda" (revisto e acrescentado) 

http://www.acorianooriental.pt/artigo/duplamente-ocupados-e-sujeitos

sexta-feira, maio 09, 2014

A minha prenda II


Porque muitos agradeceram e pediram mais (alguns muito mais, mas não posso ir tão longe, tal como o já tinha dito ao anterior presidente, Liberal Carreiro), aqui fica, ainda sobre este grande e inolvidável momento da vida do Marítimo Sport Clube, o que por limitação de espaço não pude “ofertar” no AO de 26 de Abril passado.
Na época de 1941/42, quando o MSC se sagrou pela primeira vez Campeão – e logo duplamente: o 1º da AFPD (na época anterior era ainda AFSM) e o 3º Campeão dos Açores –, eram estes os seus Orgãos Sociais: AG - António Medeiros Ramos (Presidente), Henrique Joaquim Cordeiro (1º Secretário) e Manuel Carvalho (2º Secretário); DIRECÇÃO - José Hipólito de Melo (Presidente), António Olímpio Soares de Sousa (Vice-presidente), Guilherme Emídio Cabral (1º Secretário), José Carvalho Valério (2º Secretário), Humberto Joaquim Cordeiro (Tesoureiro) , Gustavo Palhinha Moura e Humberto de Melo Araújo (Vogais); CF - Abel Baptista Vasconcelos (Presidente), João Raposo Encarnação (Secretário) e Manuel Botelho Mendonça (Relator). Já "dentro das quatro linhas"dirigia-o D. Juan Martin, que escalava como “onze habitual”: Raul, José Pacheco, João Corado - Capitão de equipa(a), Jacinto Garalha, Agostinho Pereira(a), Jacinto da Costa, Osório de Sousa, Coelho(a), João Conceição(a), Guilherme Duarte(a) e António Pedro(a) – os (a) sinalizam sete dos dez “soldados de Lisboa” que incluíam o plantel. Dos açorianos, quase todos marítimos de profissão, há a destacar um, Osório de Sousa, que em outro tempo e noutras circunstâncias, nada ficaria a dever – sobretudo quanto a capacidade física e atlética – a qualquer um dos melhores da actualidade, mesmo tendo como padrão o CR/. Osório, autor dos dois golos que permitiram a reviravolta no MSC vs CUS que deu ao “Marítimo da Calheta” o seu 1º título de Campeão Distrital, por viver na Povoação, bastas vezes fazia a pé a viagem para Ponta Delgada afim de vir jogar futebol. Assim também aconteceu no primeiro jogo com o Fayal Sport, quando percorreu doze léguas a pé, chegou de manhã e fez todo o jogo com entusiasmo, regista-o a imprensa na época. Neste jogo Osório não destoou, mas apesar do entusiasmo que os jornais dão conta, não sobressaiu (o MSC ganhou por 2/1, com golos de Garalha e Agostinho). No 2º jogo, três dias depois (24/5/42), tendo o atleta pernoitado em Ponta Delgada, tudo foi diferente: Osório tomou conta do jogo por completo, fechou a contagem marcando o 3/1, um golo efusivamente aclamado no “Campo do Liceu” pelas cerca de 4.000 pessoas que ali consagravam o novel Campeão Açoriano.

A.O. 10/05/2014; “Cá à minha moda" (revisto e muito acrescentado) 
http://www.acorianooriental.pt/artigo/a-minha-prenda-ii

sexta-feira, abril 25, 2014

A minha prenda

O Marítimo Sport Club, ou mais popularmente, o “Marítimo da Calheta”, está em festa!
Tenho alguma simpatia pelo “Marítimo”. Desde que nasceu foi o clube “de coração” do meu pai – mais tarde também sócio do “Santa Clara” – e um clube onde eu próprio fui atleta e Campeão, como basquetebolista. E porque o “Marítimo” está em festa, aceitem este humilde presente:
Iniciara-se o ano de 1942, ia a meio a época 1941/42, a primeira em que a Associação de Futebol, até ali “Associação de Foot-ball de S. Miguel”, passara a denominar-se, oficialmente, Associação de Futebol de Ponta Delgada (tal como ainda hoje).
O campeonato ia animado, com os muitos “soldados de Lisboa” integrados no MFC (6), no CUM (9), no CUS(9) e no MSC(10) - o CDSC só tinha 2 - proporcionando um equilíbrio competitivo fora do habitual. Já na 2ª volta, o CDSC depois de vencer o MSC por 4/0, por empatar 0/0 com o CUS, deixa a decisão do campeonato para um CUS vs MSC que iria decorrer a 18 Janeiro de 1942. Vencia o CUS por 1/0 quando, após dois golos de Osório de Sousa, o “Marítimo” virou o resultado. O “desassossego” começou de imediato: a “Calheta” como que entrou “em estado de sítio”; as suas ruas e travessas ficaram cheias; o vinho correu à farta em copos de “quartilho”, com a “Rival das Musas” e a “Lira de São Roque” abrilhantando a festa!
Pouco depois o “Marítimo” celebrava o seu 7º aniversário – sei que alguns não gostam desta parte, não irei insistir (mas podem consultar os jornais da época): já dei para um peditório semelhante, no caso, com maiores razões queixa! Ao clube aniversariante, João Francisco Travassos, estabelecido na "Calheta" mas com raízes em Santa Clara, ofereceu uma bola e vários pares de botas. Mas o melhor ainda estava para vir: vencendo o Fayal Sport - a 21 e 24 de Maio/42, (2/1) e (3/1), respectivamente - o “Marítimo” sagrou-se também “Campeão Açoriano”, transformando em trio o escol dos clubes que até ali tal desiderato tinham conseguido: CUS (1927/28) e o CUM (1928/29).
Assim, praticamente sete anos após a sua estreia e apresentação pública - a 7 de Abril de 1935: um CDSCvsMSC (2/0) - o “Marítimo da Calheta” conquistou os seus dois primeiros títulos de Campeão, um deles, só ao alcance de poucos. Mas até porque pode haver sempre mais, não é de todo incorrecto dizer-se que o MSC foi o 1º Campeão da Associação de Futebol de Ponta Delgada, já que até ali os Campeões foram da Associação de Foot-ball de São Miguel!
Da minha parte (e evocando a memória do meu pai): PARABÉNS!

A.O. 26/04/2014; “Cá à minha moda" (revisto e acrescentado) 
http://www.acorianooriental.pt/artigo/o-novo-imperio

sábado, abril 12, 2014

A verdade da mentira

De acordo com o “World News Daily Report.com”, site sensacionalista e pródigo na divulgação de “notícias” falaciosas, Mahashta Mûrasi, um  sapateiro indiano que se reformou aos 122 anos, não só seria o ser humano mais velho do mundo como também o homem que mais anos viveu na História. Aprofundando a leitura, dá-se conta que os detalhes desta "estória" não ficam por aqui. Ao ancião, nascido a 6 de Janeiro de 1835, logo, hoje, putativamente detentor da provecta idade de 179 anos, são atribuídas frases que nada devendo à falta de lucidez deixam no ar a – compreensível, diga-se de passagem – desesperança do “felizardo” em um dia conseguir aquilo que é o mais certo para todos nós; a morte. E Mahashta Mûrasi di-lo com simplicidade, assim: “Estou vivo há tanto tempo que os meus bisnetos já morreram há anos”, ou, “De algum modo, a morte esqueceu-se de mim. E agora já não tenho esperança de um dia morrer. Ao olhar para as estatísticas, ninguém morre com mais de 150 anos, (…) (…) acho que sou imortal ou algo assim”.
Depois de rir, a bom rir, dei comigo a pensar que, mais exagero menos exagero, o que não faltam são balelas vindas de fontes supostamente mais credíveis – do hoje primeiro ministro de Portugal, por exemplo –, que acabam sendo tão ou ainda mais risíveis (mas com efeitos bem mais nefastos nas nossas vidas) do que a espalhada pelo supra referido “site”.
Quem se pode esquecer destas: “Se formos governo, posso garantir que não será necessário despedir pessoas nem cortar mais salários…”, ou, “A ideia que se foi gerando de que o PSD vai aumentar o IVA não tem fundamento”. E a lista, só a deste período, poderia continuar quase infinitamente. 
Mas, além das mentiras com já mais ou menos três anos, um dos pensamentos em que também a rizada se baseou, teve sobretudo a ver com notícias contemporâneas à da leitura sobre a longevidade de Mahashta Mûrasi:
- Então não é que a Grécia já consegue “colocar dívida” e que os juros desta também estão a descer?
- Querem ver que a Grécia também terá “uma saída limpa”?
- Terá a Grécia, igualmente, um relógio em contagem decrescente?
Oh meu Deus….e nós, Açores, dependentes destes submissos e tristes “bons alunos”. Que sina!

A.O. 12/04/2014; “Cá à minha moda" (revisto e acrescentado) 

http://www.acorianooriental.pt/artigo/a-verdade-da-mentira

sábado, março 29, 2014

Sair “de gatas”


Já farta a troca de galhardetes que por ai anda: “saída limpa” vs “saída cautelar”. Este tema cansa, aborrece, satura, além do mais porque todos já percebemos que a haver uma qualquer saída, seja ela qual for – e quando for –, tenderá sempre ser uma “saída rasteira”, “de gatas”, se não “de rastos”!
Eles – não nós, Eles – gastaram “à farta”: betonando auto-estradas a eito (actualmente “às moscas”); construindo estádios a esmo (alguns agora com pouco ou nenhum uso e já em degradação, por falta de manutenção); criando bancos para se servirem, a si e aos seus cúmplices e amigos (negociatas onde Eles ontem ganharam para hoje pagarmos nós), enfim, distribuindo entre si um manancial de fundos europeus, dinheiro que agora nos obrigam – a nós, não a Eles – a pagar. Eles gastaram “à bruta”, mas dizem que fomos nós “quem viveu acima das nossas posses”. Dizem isso, pregando e impondo austeridade, uma “austeridade redentora”, que nos redimirá, dizem Eles, pois Eles, ao que parece, não carecem de redenção!
É sempre assim com gente que nunca se engana. Gente que raramente têm dúvidas! Não se enganaram antes (presunção e água benta…) e cegamente continuam sem ter dúvidas. Não duvidam que “a salvação” está na austeridade, no empobrecimento, nos salários baixos (já a menos de 50% da média europeia)! Outros foram (e vão) avisando que sendo a austeridade necessária, esta austeridade massiva, radical, excessiva, não trará solução. Mas Eles dizem que não! Que querem mais. Insistem! E fazem-no não obstante os recentes dados do INE confirmarem como estão errados. Indicadores da pobreza e das desigualdades sociais que reabilitam cenários do “Salazarismo”, arquétipos que até a Marcelo Caetano – bem mais sensível a estas desigualdades do que as marionetas que a mando dos gurus do “Capitalismo Cientifico” actualmente governam Portugal – incomodou, levando-o a iniciar a sua correcção.
O drama é que, queiramos ou não – sou dos que não quer – dependemos deste país mal governado, vergado, esmagado, um esmagamento que o leva a esmagar-nos mais ainda, não fossemos nós, Açores e Madeira, as suas últimas colónias!
Temos de sair desta subjugação: quanto mais cedo melhor. Limpinho.

A.O. 29/03/2014; “Cá à minha moda" (revisto e acrescentado, incluindo o título) 
http://www.acorianooriental.pt/artigo/sair-de-gatas

sábado, março 15, 2014

O Novo Império mete água




Parece que há um Portugal novo, à laia do Portugal do Estado Novo.
Não, não é só o facto de após tantos anos Portugal se voltar a organizar enriçado num presidente, numa maioria e num governo, todos afinados pelo mesmo diapasão, germânico, quiçá mesmo ariano, que em união nacional lá vai cantando e rindo, levando-nos, levando-nos sim, de encontro à engrenagem do trapiche que nos irá espremer até sacar a última gota, de tudo, até do suco vital. Mais do que este emaranhado de interesses pouco recomendável (o “velho desígnio” sempre inspirou pouca confiança, confirmando-se agora a sua perigosidade, agravada por os protagonistas estarem a léguas da integridade política e consistência democrática do seu criador: Sá Carneiro), mais até do que o consequente autoritarismo, insensível, que lhe está associado, este Portugal novo, tal como o do Estado Novo, começa também a tornar evidentes os seus tiques despóticos, centralistas, neocolonialistas e até saudosistas da “grandeza imperial” a que muitos parecem ainda atados.
A recente apresentação do “novo mapa de Portugal”, do “Portugal do Mar”, com a pirosa mise en scène que o envolveu, foi disso exemplo eloquente. Como que se já não bastasse a falácia geofísica da dita “extensão da plataforma continental”, toda aquela cena nos remeteu para o Portugal salazarista, o tal Portugal “do Minho a Timor”, com Províncias Ultramarinas e Ilhas Adjacentes, sujeito a um regime que logo na escola primária iniciava a sua doutrinação imperial/colonialista, para tal ostentando mapas cujo objectivo mais não era do que impingir as “grandezas” de um país decadente, “orgulhosamente só”, supostamente disposto a deixar-se levar por tretas como: “soldados e marinheiros vitoriosos ou mortos”, tal como aconteceu no caso da Índia, ou: “rapidamente e em força”, logo depois, tratando-se de Angola.
Propaganda e manias de grandeza que parecem jamais ter fim, agora já que não em terra firme, no mar, Atlântico Norte adentro, com uma suposta plataforma continental, elástica, ajeitando-se para “cercar”, mais ainda, os Açores e a Madeira.
A estes senhores já só lhes falta também dizer, assumidamente: “Temos uma doutrina e somos uma força”!
A.O. 15/03/2014; “Cá à minha moda" (revisto e acrescentado, incluindo o título) 

quarta-feira, março 12, 2014

Os primeiros a chegar, para ficar, ao lugar da ponta delgada

 


Serafim… –  gritou exausta Maria de Fátima!
O pujante brado, misto de gemido de dor e clamor de alívio, foi o ponto final de um longo e difícil parto: o primeiro a acontecer no lugar da ponta delgada.
Serafim…Serafim… Serafim… voltava a ouvir-se, agora de forma repetida e arrastada. Era como se as paredes do algar que servia refúgio ao jovem casal, morada adoptada desde que chegaram aquelas paragens, propagando a exclamação da aliviada mãe, também dessem as boas vindas ao novo habitante do lugar.
Dissipado o eco fez-se um momento de silêncio, permitindo voltar a ouvir o habitual som do mar, em especial quando percorria, umas vezes calma outras furiosamente, aquela longa restinga até bater nos contrafortes da rocha onde quatro ou cinco metros acima a natureza vulcânica da ilha esculpira a gruta que abrigara Serafim e Maria de Fátima, acolhendo a partir de agora também o filho do casal.
Aproveitando a quietude da ocasião, não mais que um ápice embora não o parecendo, o jovem pai, também extenuado, fechou os olhos e iniciou uma oração, logo interrompida pelo primeiro choro do recém-nascido. Suspendendo a reza, ao reabrir os olhos Serafim pôde pela primeira vez contemplar o filho de corpo inteiro. Ali estava ele, aconchegado ao peito da mãe, ainda com os olhos fechados mas com a boca muito aberta, entretanto já liberto da maioria dos vestígios de tão rudimentar quão eremítico parto, atraindo o olhar embevecido de ambos os progenitores. Aquele fora o motivo da sua tão radical mudança de vida, autêntica aventura, fruto de uma decisão tomada sem grande ponderação, porém nada que, quatro meses passados, levasse ao arrependimento o casal fugitivo. Aquela era a razão de terem abandonado tudo e todos, deixado o razoável conforto da família, amigos e conhecidos: a causa da sua saída do já então promissor povoado, onde cresceram e conceberam aquele filho. Ali estava a razão de se terem refugiado naquele ermo; da visível transformação de um lugar que pelo seu esforço e determinação em menos de meio ano se tornara habitável, até aqui só para ambos, agora também para o seu filho, no futuro para os demais vindouros. 

Com o primeiro natal do “solitário ermo” coincidindo com o equinócio da Primavera, aquele dia ficaria marcado nas suas vidas, literalmente com sangue, suor e lágrimas. Entretanto a noite chegava, também ela singular: a primeira desde que Serafim e Maria de Fátima se haviam fixado no lugar da ponta delgada em que já não contavam apenas um com o outro.
As noites daquele Inverno, além de frias e quase sempre adereçadas com o assustador barulho das vagas de sudoeste, tinham sido longas. Compridas porque se seguiam a um dia curto para o muito a fazer, infindáveis pelo desconforto de dormir no rude estrado que lhes servia de leito, mal abrigados, ali paredes-meias com a entrada do desafogado algar onde se refugiaram. Fora a extensão destas noites de inverno o que lhes permitia pensar muito naquilo que havia para fazer nos dias vindouros, nisso incluindo o estabelecer dos nomes a dar ao filho ou filha que estava para chegar. A escolha dos nomes, pelo menos dos dois primeiros dos vários filhos que desejavam ter, tinha sido o tema mais presente no pouco tempo livre até ali existente, por regra o início da noite. A bem da verdade, estes há muito estavam escolhidos, com as conversas tidas só consolidando as opções já feitas. De facto os jovens amantes, ainda no povoado de origem, olhando o mar ou o ilhéu que do oceano se erguia à sua frente, um cenário que os inspirou e incentivou para a fuga que mais tarde ocorreria, logo que confirmada a gravidez de Maria de Fátima iniciaram a escolha dos nomes a dar aos seus descendentes. Fátima e Serafim facilmente ganharam consenso: Serafim por já ser o nome do pai, tal como do avô e de todos os primogénitos daquele ramo familiar, o clã galego dos Serafíns que agora nos Açores davam continuidade à longa experiência marítimo/piscatória acumulada ao abrigo da costa Oeste do Cabo Finisterra; Fátima por ser um dos nomes da mãe, Maria de Fátima, reabilitando o singelo nome da bisavó, Fatimah, a “moura encantada” que tantos corações tinha despedaçado logo que se tornara mulher, já nos Açores, onde aportara inserida na família que a adoptara em Portugal, ainda menina, recém chegada de Ceuta.