terça-feira, dezembro 21, 2010

O fim do mundo em cuecas







Tenham medo. Muito medo.
Não. Não tem nada a ver com o veto de S. Exa. o Representante da República Portuguesa aqui nos Açores. Com isso podemos nós bem. Podemos bem melhor com o veto de S. Exa. do que com a descriminação remuneratória de uns quantos – cada vez em maior número – funcionários da República Portuguesa que à laia privilegiados representantes coloniais, vêem para estas ilhas fruir douradas comissões de serviço.
Tenham medo. Muito medo. Mas não das queixas de falta de solidariedade Açores vs Portugal de muitos mais – parte deles inexplicavelmente entre nós (é incrível como tudo serve de arma de arremesso político-partidário) – que se esquecem que este mesmo Portugal não foi solidário com outros, nomeadamente aqueles a quem, no Oriente, espoliou das especiarias e do seu comércio, ou na América do Sul, do ouro e de outras preciosidades, e em África, de diamantes, petróleo e do muito mais. Um Portugal ao qual agora pouco mais resta do Império Colonial do que os Açores, o valor geoestratégico, e a imensidão e riqueza do seu mar, o que só por si torna insignificante aquilo que alguns dizem serem os “milhões que para cá são enviados para os açorianos poderem sobreviver” (veja-se como o mar de Timor permite a um país "paupérrimo" solidarizar-se com Portugal, "chegando-se à frente" para comprar divida soberana portuguesa!).
Tenham medo, muito medo, mas não das balelas. Balela por balela, tenham medo sim, porque já faltam menos de dois anos para aquele que muitos dizem ser o fatídico 21 de Dezembro de 2012: resultado da colisão de um asteróide com a Terra, dizem uns. Estranho alinhamento da Terra, Sol e um buraco negro existente no centro da nossa galáxia, invulgar orientação da qual resultará a alteração do campo magnético da Terra com consequências dramáticas, dizem outros. Do abandono da sua orbita por parte do planeta verde, que assim, errante, iniciará um longo e desregulado percurso pelo Universo, referem outros ainda. E, como nem todos são assim tão pessimistas, há também aqueles que apontam para 22 de Dezembro de 2012 o dia da chegada dos extraterrestres, o que não será obrigatoriamente uma má notícia.
E é de ter medo sim, porque estes anúncios de fim do mundo não provêm de apenas uma fonte: desde as antigas filosofias chinesas sobre concepções do mundo contidas em “I Ching” aos argumentistas da série “Ficheiros Secretos”; da Sibyl da Roma Clássica ao Nostradamus da Idade Média; dos astrónomos Maias a Einstein – saltando Merlin e outros profetas (incluindo os dos últimos dias) – têm sido muitos a profetizá-lo e são muitas as coincidências entre as profecias.
Tenham portanto medo. Tanto quanto o que tenho, sobretudo agora, tranquilo que estou, depois de ter encontrado no 21 de Dezembro de 2012 assunto para terminar com a angústia que desde o final do Domingo p.p. sentia por se aproximar o 21 de Dezembro de 2010 (data de publicação desta coluna, sem eu ter assunto para ela).
Por mim, e por agora, já está.
Quanto à eficácia do veto de S. Exa., julgo que ainda antes do fim de 2010 a poderemos aferir.
Mais difícil será para conhecer a forma como Portugal irá adiar a “banca rota” que há séculos o assola. Para tal há que esperar um pouco mais: talvez no segundo trimestre de 2011 já saibamos se o FMI deixa que outros façam aquilo que ele gosta e sabe fazer.
Bem. Sobre o fim do mundo – no que às cuecas diz respeito, ficará, talvez, para outra ocasião –, bom, esta é a melhor parte, até porque, dizem outros profetas e sábios, nesta altura, em Portugal, a economia já está a recuperar. Profecias!
Daqui a dois anos veremos se é para rir ou chorar por mais.

A.O. 12/21/10; “Cá à minha moda" (revisto e acrescentado)

terça-feira, dezembro 07, 2010

O bom é não dar Cavaco





Cada vez mais me convenço que Cavaco Silva tem um sério – e já antigo – problema com os Açores. Questão velha e complicada. Nada que se resolva com oportunas mini férias no arquipélago, ou comitivas arrebanhadas a contra gosto quando ainda se engolem sapos, que mesmo escorregadios, deixam marcas visíveis por muito tempo. Há mesmo quem diga que o problema é tão velho que remonta ao célebre Congresso da Figueira da Foz – consequência de um “erro táctico” de Mota Amaral. Mas, como dizia a outra, “isso para agora não interessa nada”!
Interessa, isso sim, é não deixar de exercitar a memória. Para não recuar muito regressemos ao Verão de 2008:
A 31 Julho de 2008, em consequência das negociatas de Oliveira e Costa e seus amigos – tudo “boa gente” como os considerava o então ainda Conselheiro de Estado, Dias Loureiro –, já o BPN era um sério candidato a ensopar as largas centenas de milhares de Milhões de €uros que tanto ajudaram no agravar da situação de que todos (uns mais que outros claro, pois cortar 10% na remuneração do Presidente da República Portuguesa não é nada quando comparado com um corte de 200 ou 300 €uros no rendimento de uma família carenciada ou até mesmo remediada), mas TODOS, somos agora vítima. Tal como, por esta mesma altura, as transferências para “off shores” e o “fantasma Banco Insular” já haviam levado o Banco de Portugal a decretar a necessária auditoria interna ao BPN!.
Mas estes eram assuntos que dada a sua insignificância em nada justificavam interromper um qualquer período de férias. O Estatuto dos Açores, e o terrível precedente que ele incorporava (terrível, mas não tão assustador que justificasse a apreciação preventiva do TC), isso sim: E não só justificou a interrupção das férias, como, tal como se pôde assistir com espanto e pasmo, também exigiu aquela tão mediática quanto dramática comunicação feita no pino da “silly season” 2008!
Agora também, no Outono de 2010 (dois anos e quatro meses depois), não foi muito diferente:
* A PT, em clara manobra de fuga ao fisco, prepara-se para antecipar a distribuição do dividendo?
- Eh …, isso é de somenos importância!
* São cada vez mais evidentes as manobras para que seja criado um regime de excepção que contemple o pessoal (de preferência os melhor remunerados) do sector empresarial do Estado?
- Eh …, para quê embarcar em populismos. Isto são “peanuts”!
* Nos Açores vão ser criadas compensações para que três ou quatro milhares de funcionários públicos (da parte inferior da pirâmide salarial) contornem as restrições impostas pelo Governo de Portugal!
- Espera aí! O quê? Onde? Nos Açores? Não podem! Isto é uma discriminação gravíssima. É inconstitucional. Viola o princípio da equidade, pois não se podem distinguir as pessoas em função do lugar onde habitam (nestas alturas lembro-me sempre dos cabo-verdianos)! E a corte aplaude. Tomara: sabem por experiência própria que nem sempre é conveniente querer ser “Povo Açoriano”. O que a mesma corte parece não saber é que determinadas pessoas respeitam mais quem lhes “bate o pé” do que aqueles que se desfazem em vénias e salamaleques. E o exemplo não está muito longe: basta ver como é poupado, e até “acarinhado”, quem que um dia imortalizou o “Sr. Silva”!

Em jeito de rodapé (bem que o podia evitar, mas fazê-lo não seria “à minha moda”) resta acrescentar que tenho muitas reservas quanto à justiça da proposta de Carlos César que está na origem de toda esta polémica. O que não posso deixar de apoiar, incondicionalmente, é que aqui, nos Açores, devemos ser NÓS, Povo Açoriano, a mandar.
E todos os passos dados neste sentido serão sempre poucos!

A.O. 12/07/10; “Cá à minha moda" (revisto e acrescentado)

sábado, novembro 27, 2010

SANTA CLARA: “Um retrato da alma popular, milagre de vontade”



Gráficos obtidos aqui: http://www.cdsantaclara.pt/index.php ("Clikando" ampliam)

É certo - e lamentável - que quem mais razões tinha para estar quieto e calado é quem mais se mexe, “bota palavra” e estrebucha;

É certo - e lamentável - que quem nem o dever mínimo de sócio foi capaz de cumprir (não pagar as cotas durante mais de quatro anos é desrespeito suficiente para deixar envergonhado quem vergonha tivesse) é quem mais se vitimiza, e reclama, por direitos que só muito duvidosamente os pode exigir e usar;

Mas o mais certo é que os números não enganam, e como que se já não bastassem os que demonstram com clareza o bom caminho percorrido – o que isso deve doer a muitos, e sobretudo a quem, abusivamente pago para tal, entre o muito mais, negligenciou (e com isso fez perder) importantes receitas para o CDSC e acrescer significativas despesas –, agora, há outros números também absolutamente clarificadores:

Mais de 90% de votos obtidos, com o universo de votantes a duplicar quando comparado com as últimas eleições disputadas nas mesmas condições (lista única): foi muito bom!
Melhor ainda foi o número, e a qualidade, dos apoios congregados, mais de uma centena deles registados nas listas de apoio e subscrição da candidatura.

Foi tão bom que até hoje, Sábado, o dia nasceu com um sol radioso.

Mas, atenção, bom também é não esquecer que o mais importante é mesmo CONTINUAR NO BOM CAMINHO. E daqui para lá será cada vez mais difícil: “quanto mais se sobe a montanha mais penoso é o trilho”!

Força, parabéns e muitas felicidades.

terça-feira, novembro 23, 2010

Santa Clara: continuar no bom caminho


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Gráficos obtidos aqui: http://www.cdsantaclara.pt/index.php ("Clikando" ampliam)

Mais do que um bom slogan de campanha, neste momento, para o Clube Desportivo Santa Clara, “Continuar no bom caminho” é um imperativo, uma empreitada crucial para desembaraçar o clube do aflitivo garrote que o vem estrangulando há quase uma década, sufoco que nos dois últimos anos, felizmente, tem conhecido algum alívio.
Só é possível “Continuar no bom caminho” porque já se começou a trilhar este mesmo caminho. Um facto inegável para todos, até para aqueles a quem, por razões óbvias, não interessava reconhecer que assim é. Uma das demonstrações disso é ler e ouvir as criticas vindas dos que ainda não há muito tempo pareciam indiferentes aos Estatutos do clube transgredido-os de forma grosseira, e que hoje, evocando-os com zelo, apontam como exemplos de incumprimento aspectos bem menos graves e significativos do que aqueles que antes violavam a torto e a direito. Para não falar de outras questões, pergunto:
- Quem não se recorda da forma pouco ortodoxa, bem como do sistemático atraso, com que as contas do Santa Clara eram apresentadas para aprovação aos sócios em Assembleia-geral?
- E de quando os directores se auto remuneravam com despudor quando os Estatutos determinavam que os dirigentes eleitos não podiam exercer funções remuneradas?
Mas bem bom que agora já se lembram e evocam os Estatutos: é um óbvio sinal que o Santa Clara já está no bom caminho!
Ironias à parte, não restam dúvidas que tem sido a boa gestão imprimida por aqueles que nos últimos tempos comandam os destinos dos Santa Clara aquilo que melhor explícita que o clube está no bom caminho. Nunca será demais recordar que em 2007 o deficit acumulado do CDSC rodava os 18M€; que apenas de 2000 a 2003 o clube acumulou um deficit 11M€ (só por conta do ano de 2003 foram 5M€). Depois, entre os anos 2004 e 2007, não foi muito diferente: foram entretanto acrescentados cerca de mais 7M€ ao enorme deficit que entretanto já se acumulara.
Só a partir de 2008 a situação começou a ganhar algum equilíbrio: (– 150.000 €) foi o resultado apresentado em 2008/09; + 200.000 € foi o resultado de 2009/10; e + 0,5M€, não havendo sobressaltos, é o resultado previsto para a presente época. Isto sim é “Bom Caminho”!
Bom caminho também é, não obstante a significativa redução de custos com o futebol profissional verificada, o bom desempenho desportivo patenteado ultimamente, com a equipa a disputar até ao último jogo, em duas épocas consecutivas, a possibilidade de subida à liga principal. Tal como bom caminho é o rigor, a transparência e as preocupações com a observância de questões fundamentais, como a atempada prestação de contas como progressivamente se passou a efectuar, com a última AG - infelizmente mediatizada não pelos melhores motivos – sendo a primeira em muitos anos onde foram apresentados resultados positivos, e, tão ou mais importante do que isso, levada a cabo dentro dos prazos estatutariamente estipulados.
Há outras questões a melhorar? Claro! É sempre possível fazer melhor, embora quanto maior é o percurso percorrido mais difícil se torne palmilhar o que dele sobra. De uma coisa, porém, não restam dúvidas nenhumas: o mais importante é “Continuar no bom caminho”, pois só assim será possível ver compensado o muito trabalho já desenvolvido, para mais, tratando-se de trabalho efectuado de forma generosa, desinteressada e altruísta – em contraste com um passado onde além das obscenas remunerações arrancadas não faltaram casos de usurpação, negligência e oportunismo –, a grande e dedicada tarefa que está na base da visível inversão de rumo que facilmente já se pode observar.

A.O. 11/23/10; “Cá à minha moda" (revisto e ligeiramente acrescentado)

terça-feira, novembro 09, 2010

Se a moda pegasse até podia ser uma limpeza



Um destes dias, reencaminhado por alguém que habitualmente não envia “lixo” – e só por isso abri aquela mensagem com não sei quantos destinatários associados, tipo corrente a não interromper –, sem lhe faltar os avisos de “MUITO FORTE”, “VIOLENTO”, caiu também na minha caixa de correio o vídeo do politico americano que se suicidou em plena conferência de imprensa, por, segundo se dizia no e-mail que o acompanhava, ter sido apanhado nas malhas da justiça por corrupção, processo cujo montante, tal como também lá dizia, era somente de 15.000 U$D.
Ao visionar as imagens e mensagens contidas no ficheiro recebido recordei-me que já as vira noutra ocasião, que o caso ali registado não era assim tão recente, tampouco era assim tão reduzido o verdadeiro valor em causa. Mas nem o tempo que entretanto passou ou a diferença de valores apresentadas reduzem, em nada, o interesse e a oportunidade em recordar aquele dramático episódio: é que, “vergonha na cara”, aquilo que na altura não faltou ao mediático suicida, é coisa cada vez mais rara, atributo entretanto praticamente inexistente, que, tal como a honra ou a palavra dada, são marcas de carácter em continua desvalorização!
Se neste último quarto de século – foi em Janeiro de 1987 que Robert Dwyer, Secretário do Tesouro republicano, confrontado com uma acusação de corrupção cujos 300.000 U$D em causa o comprometiam implicando também mais uns quantos dos seus correligionários partidários optou por se suicidar frente a um batalhão de jornalistas – todos os corruptos implicados em processos de valor igual ou semelhante adoptassem a mesma atitude, com certeza o mundo estaria bem melhor. E nem é necessário olharmos para o lado de lá do Atlântico, onde, apesar de tudo, a justiça funciona e os “Bernard Madoffes” em poucos meses são julgados e encarcerados. Bastará apenas mirar aqui bem mais perto, para a direita, fixando-nos nos BPNs e em mais uns quantos pardais, ou para esquerda, nas “Faces ocultas” e outros que tais, para se avaliar a amplitude da limpeza caso o incidente Robert Dwyer fizesse escola. Bem vistas as coisas, e falando mais a sério, nem seria necessário chegar a tamanho exagero. Suficiente já seria a adopção de comportamentos ética e moralmente mais sóbrios e recomendáveis: como custa vê-los, por vezes já como arguidos, usando este estatuto não só para se defenderem, mas, sobretudo, poderem manter, prolongar e até acrescentar duvidosas benesses e mordomias!
Foi realmente dramática e muito violenta a forma como Bob Dwyer lidou com a acusação que sobre ele pendeu, cujas imagens, agora tão divulgadas, além de incomodar quem as visiona dão ainda muito que pensar. Mas também não deixará de ser tão ou mais violenta – embora menos dramática, admito – a forma como uns quantos, no extremo oposto, sem “pinga de vergonha na cara”, lidam com situações similares.
Nem oito nem oitenta – nada como qualquer coisa entre o trinta e o quarenta e dois –, mas começam a ser mais que muitos os casos que vão conhecendo a luz do dia, com os respectivos implicados a usar e abusar da desfaçatez.

A.O. 11/09/10; “Cá à minha moda" (revisto e ligeiramente acrescentado)

terça-feira, outubro 26, 2010

Revisitar a ponta Delgada em três leituras


Hoje, coberta que está pelas toneladas de entulho que ao longo dos anos sobre si foram depositadas, da ponta Delgada – que depois se passou a chamar ponta de Santa Clara e em Santa Clara é popularmente conhecida como “ponta da sardinha” – pouco mais se vislumbra do que a sua estreita estrema final. Mas nem sempre assim foi!
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Assim não seria em 1584, quando Luís Teixeira, distinto geógrafo e cartógrafo – pai e avô de outros não menos distintos mestres da arte de fazer cartas de marear –, ao serviço de Filipe II de Espanha (I de Portugal) percorreu os Açores anotando com minúcia os dados que mais tarde lhe permitiram levar a cabo uma das suas mais importantes obras: a colecção de mapas dos Açores que se encontra na Biblioteca Nacional de Florença. Nesta colectânea, na carta que engloba todo o arquipélago – ao contrário do que acontece com as outras ilhas o mapa que trata isoladamente a Ilha de São Miguel não consta do precioso conjunto –, entre as muitas referências topográficas e toponímicas, lá estão no centro da ilha, de Nascente para Poente, em castelhano: “Ciudad”, “P. Delgada” e “De la Relva”, com a ponta que deu nome à maior cidade dos Açores entre uma e outra, e todas devidamente marcadas no exacto local onde ainda hoje as podemos encontrar (1).
É ainda desta época – finais da década de 80 do século XVI – a célebre frase de Gaspar Frutuoso: “Esta cidade de Ponta Delgada é assim chamada por estar situada junto de uma ponta de pedra de biscouto, delgada e não grossa como as outras da ilha, quase rasa com o mar, que depois por se edificar mais junto dela uma ermida de Santa Clara, se chamou ponta de Santa Clara (…)”, e também, quiçá fruto de alguma partilha de informação entre dois eruditos súbditos do poderoso monarca, o detalhado “retrato escrito” da costa de Santa Clara que o cronista mor nos legou: “Além, pouco espaço da fortaleza para Loeste, está uma ponta que se chama Ponta dos Algares (…) e logo está uma pequena baía de areia, defronte das casas do generoso e em tudo grandioso Francisco Arruda da Costa (…) e com grande custo seu cercada de muro e cubelos, com sua porta para o mar, tudo muito defensável, e pegado com a porta, chamada de Santa Clara, por estar ali a igreja paroquial desta Santa, onde se acaba a principal costa da cidade (…)(2). Foi como se Gaspar Frutuoso, a menos de uma década da sua última e definitiva viagem, quisesse deixar descrito o cenário para uma das muitas cenas da História dos Açores de que Santa Clara foi palco.
De facto, a 17 Outubro de 1597, com a ponta Delgada como testemunha e adereço, Gonçalo Vaz Coutinho, Governador da Ilha, depois de ter atravessado a cidade num apressado galope iniciado em Rosto de Cão, deteve-se próximo da ermida de Santa Clara confirmando a preocupação que lhe haviam transmitido à saída da missa em que naquela manhã participara na ermida da Madalena: as velas que se avistavam a Poente eram mesmo uma Nau da Índia, embarcação que corria risco de ser assaltada pela enorme frota inglesa então dominando quase toda a costa Sul da ilha, depois de já a ter tentado tomar e desembarcando em Vila Franca. E foi no calhau de Santa Clara que o Governador sentiu o primeiro momento de alegria daquele dia, pois o jovem Apolinário Serrão, atendendo à aflição do governante, deitou-se à água destemidamente e nadando com vigor até desaparecer entre ondas mar adentro, conseguiu chegar à embarcação para transmitir a mensagem do governador aconselhando que a mesma encalhasse nos baixios daquela costa já que desta forma podia ser descarregada evitando o saque a que estava sujeita. Assim aconteceu, e depois de recolhido o precioso carregamento a nau foi incendiada para impedir que com ela aumentassem a frota inimiga (3).
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Por essa e outras pergunta-se: Será que a ponta Delgada não merecia libertar-se totalmente dos entulhos que a sufocam, e, bem mais visível, voltar a readquirir a merecida dignidade de “madrinha” de Ponta Delgada?

(1) – Campos, Viriato – Sobre o descobrimento e povoamento dos Açores, Europress, págs. 106 a 117.
(2)
Frutuoso, Gaspar – Livro IV das Saudades da Terra, ICPD 1998, págs. 172 a 178.
(3) – Arquivo dos Açores, Volume X, págs. 134 a 141.


A.O. 26/10/10; “Cá à minha moda" (revisto e ligeiramente acrescentado)

terça-feira, outubro 12, 2010

Um marinheiro poeta a vogar entre os Rosais e Santa Clara






Vital Silveira Cardoso, ou “Mestre Vital” como é conhecido em Santa Clara e entre pares no âmbito dos misteres a que caprichosa e competentemente se dedica ou dedicou, é senhor de uma vida preenchida de forma tão fértil que o difícil é concentrarmo-nos na sua faceta de poeta popular agora revelada em “Versejando”, livro de poemas apresentado no passado sábado, dia 09 Outubro de 2010, por ocasião da cerimónia de encerramento das comemorações do 5º aniversário da Freguesia de Santa Clara.
Radicado em Santa Clara desde meados da década de 60 do século XX, quando ainda, recém-casado, acabara de iniciar uma fulgurante carreira como marinheiro – tornando-se aos 27 anos no mais jovem Contramestre da Marinha Mercante –, Santa Clara rapidamente o adoptou, e foi lá que nasceram e cresceram os seus filhos, e aonde à sua volta, entre familiares e amigos, juntou mais uns quantos patrícios. Era, mais uma vez, Santa Clara a cumprir o seu destino. E não podia ser de outra maneira: não fosse a localidade, desde os seus primórdios, terra de embarcadiços, local de partidas e chegadas, chão que ensopou muitas lágrimas em horas de abalada, mas também terreno sempre propício a acolher, acarinhar e integrar quem vindo de outras paragens o escolheu para se fixar. Fora assim com aqueles que a meados do século XV, vindos de Vila Franca, por lá assentaram arraiais dando origem a Ponta Delgada. Assim foi também, a partir de meados do século XIX, aquando da construção do porto artificial de Ponta Delgada. Assim continuou sendo nos primeiros anos do século XX, com o surto de industrialização que a cidade conheceu e Santa Clara acolheu. Assim continua e continuará a ser, pois está na sua génese: a grande diferença é que enquanto até ao século XIX, com Vila Franca como centro e origem, foram Água Retorta, a Nascente, e a Bretanha, a Poente, o limite natural da imigração, a partir do século XX este âmbito, alargando-se, passou primeiro também às outras ilhas dos Açores, para depois se estender ao resto do mundo.
Mas regressemos a “Mestre Vital”: o músico, o marinheiro, o poeta, que, não obstante o seu carácter discreto e um tanto ou quanto distante, aqui e ali, sempre foi possível ouvir arrancando deliciosos trinados ao seu bandolim ou contando histórias sobre as muitas viagens e quase outras tantas aventuras que o navegar entre as ilhas lhe proporcionou. Excepcional mesmo, quase um privilégio, era – e é – escutá-lo a recitar a sua própria poesia, à qual uma pausada e muito musical entoação, associada ao sotaque jorgense que nunca perdeu, acrescentam especial singularidade.
Nostálgica e sofrida na abordagem dos temas mais íntimos, a poesia do “Mestre Vital” mostra-se atenta, perspicaz, e até interventora quando trata questões de ordem social, não se furtando à crítica das injustiças mais iminentes. Poesia a que também não lhe falta uma vertente agradavelmente irónica e divertida, sobretudo no retratar os usos e costumes açorianos das diversas ilhas.Em “Versejando” só fica apresentada uma ínfima parte do interessante espólio poético de Vital Silveira Cardoso. Poemas que agora, depois de escritos e editados, mesmo perdendo algum do encanto que a oralidade – sobretudo a do autor – lhes confere, vão com certeza poder chegar a um maior número de pessoas, fazendo justiça a uma poesia peculiar não merecia continuar ignorada, e a um genuíno e sensível poeta popular, até aqui, praticamente anónimo.


A.O. 12/10/10; “Cá à minha moda" (revisto e ligeiramente acrescentado)

sexta-feira, setembro 24, 2010

Nem antes, nem depois: a inverdade continuou

Antes estava assim:
("clikar" sobre a imagem e aumentar para melhor ler)


Depois ficou assim:
("clikar" sobre a imagem e aumentar para melhor ler)



Regista-se a tentativa de alteração.
Como se regista a forma deficiente e pouco cuidada como a mesma foi efectuada.
Era tão fácil fazer melhor.
Bastava referir a verdade.
Aqui fica o desafio!

terça-feira, setembro 14, 2010

30 Anos depois Medeiros Cabral continua a causar surpresa


No exacto dia em que o homenageado, caso se mantivesse em nosso convívio, completaria cinquenta e cinco anos de idade, o auditório do Centro Cívico e Cultural de Santa Clara tornou-se pequeno – é imaginar como seria se lá estivessem todos os que entretanto, por um ou outro motivo, lamentaram não ter ido – para receber os muitos familiares, amigos e antigos vizinhos que não quiserem deixar de estar presentes na sessão de entrega à família do distinguido o Galardão “Honra de Santa Clara”, cuja atribuição fora unanimemente aprovada pela Assembleia de Freguesia de Santa Clara por ocasião do trigésimo aniversário do seu falecimento.
Casa cheia, e com uma audiência que estimulada pela agradável interpretação de um clássico de Heitor Vilas Lobos, pouco depois estava completamente conquistada, e deliciada, com a qualidade das comunicações proferidas.
Abriu a sessão Tomaz Borba Vieira, que, sem deixar de recordar o nobre carácter do agraciado, centrou a sua dissertação na genialidade de uma obra, naturalmente pouco vasta, mas já indelevelmente registada nos anais da História da Arte dos Açores. Antes de terminar, reforçando a ideia de se criar em Santa Clara um espaço que evoque o artista e contribua para uma melhor divulgação da sua obra, num gesto que foi efusivamente aplaudido, Tomaz Vieira ofereceu à Junta de Freguesia de Santa Clara um precioso espólio documental que a mãe de Medeiros Cabral, vai para trinta anos, lhe havia entregue. Seguiu-lhe Urbano, que após recordar como ele e o homenageado se conheceram na Escola Secundária Domingues Rebelo, tal como as exposições em que ambos participaram naquele mesmo estabelecimento de ensino nos primeiros anos da década de setenta, leu um documento da autoria do galardoado, no qual Medeiros Cabral, o artista, questionado por Zé Manuel Cabral, o cidadão, explicava com detalhe o simbolismo de cada uma das telas do tríptico “A História”. Depois foi a vez de Emanuel Jorge Botelho, emocionado e a todos emocionando com o retrato escrito do Zé Manuel Cabral que apresentou, concluindo a sublinhar o sentimento de perda e saudade, que aquela ausência ainda causa. Por fim usou da palavra Carmélio Rodrigues, primo, cúmplice, alguém que com ele partilhou além do mais, a casa de família na 1ª Rua de Santa Clara, onde foi “desencantar”, para ali mostrar, um conjunto de objectos pessoais do homenageado, entre os quais alguns dos livros em que na época o artista se suportou, mostrando também uma interessante peça, dada a sua fragilidade como que milagrosamente ainda intacta, obra que dispondo em perspectiva três placas de vidro, acopla na menor a figuração do cérebro para na maior representar a imagem de uma boca, deixando a placa do meio, apesar de transparente, simbolizando a entropia: numa alusão clara às dificuldades, ou maquinações, que a comunicação encontra desde a fonte até ao destinatário!
Nem de propósito. Se o serão foi sério, profundo, rico na divulgação de recordações, conhecimento e repleto de emoção, no dia seguinte apresentou-se ficção. Nem dava para acreditar, e isso, mesmo depois de ir ao “site” oficial da CMPD ler e confirmar! Sendo erro já o tinham corrigido, se ainda não fizeram, deve ser estratégia. À Goebbels, na esperança de surfando uma qualquer Onda, repetir, repetir, repetir, até se confundir com a verdade. Sinceramente, não havia necessidade!

A.O. 14/09/10; “Cá à minha moda" (revisto e ligeiramente acrescentado)

terça-feira, agosto 31, 2010

Medeiros Cabral: fim precoce de uma vida prenhe de utopia e ânsia de liberdade





Sugestão de ocupação de um dos espaços propostos no
âmbito da actividade "PARTICIPAR / INQUIETAÇÃO" por
Pedro Maiato e Miguel Abrantes
Estivesse ele ainda entre nós, e de hoje a oito dias José Manuel de Medeiros Cabral completaria cinquenta e cinco anos de idade. Assim não será, infelizmente, pois no dia 20 do passado mês de Dezembro decorreram exactamente 30 anos sobre a data do seu falecimento.

Menino diferente, sossegado, habitualmente apartado dos outros da mesma idade, muito cedo o Zé Manuel Cabral se transformou no jovem inteligente, estudioso, socialmente inquietado e interventivo, que enriquecendo-se e consolidando-se como tal também nos movimentos de intervenção social que em finais da década de sessenta orbitavam à volta da Igreja de Santa Clara, começou logo aí a revelar a consciência de classe que o marcou, e a sua obra retrata.
Ainda criança, quando na falsa do nº 126 da 1ª Rua de Santa Clara armava aprimorados altares, palcos e outras artísticas instalações, Zé Manuel já deixava perceber a agitação e criatividade contidas no seu espírito, só aparentemente plácido e impassível. Criatividade e sensibilidade artística que ainda como adolescente o conduz a uma fugaz incursão pela fotografia, para pouco depois, decorriam os primeiros anos da década de setenta – e ainda antes do 25 Abril –, participando na exposição colectiva do “Externato D. Infante”, começar a partilhar com o publico a sua revolucionária obra, em busca do original e não necessariamente do bonito, da qual constavam, depois de reciclados e transformados em peças de arte, objectos recolhidos na orla marítima de Santa Clara, em especial no Calhau da Areia.
Foi também em Santa Clara, no atelier que manteve onde antes fora a “tenda” de “Mestre Virgínio Barbeiro” – oh, muito longe nos levaria falar do mestre Virgínio e da sua tenda… – que Zé Manuel Cabral produziu aquela que sem risco de errar se pode afirmar ser a sua obra prima: o tríptico “A História”, que na tela dedicada ao capitalismo, onde representou o sentir e observar da actualidade de então, é por demais notória a presença de Santa Clara, ali ocupando quase por inteiro um cenário onde, em grande plano, como que flutuando sentado em pomposa cadeira, com fato negro e gravata cor de sangue, “o poder” – nisso o quadro mantém impressionante actualidade – manipula com destreza as suas marionetas.
No 1º de Maio de 1975, quando ainda nem completara vinte anos, Zé Manuel Cabral espevita Ponta Delgada com a exposição que instala em plena Praça Gonçalo Velho, uma mostra em as suas obras, em vez colocadas à venda, foram sim destinadas a trocas por artigos vários, incluindo frutas, legumes e tubérculos.
De 1977, ano em que ingressou na Escola Superior de Belas Artes do Porto, até finais de 1979, quando na sequência da intervenção cirúrgica com que esperava normalizar a sua vida esbarra serenamente com a morte, decorre o período mais rico e produtivo, contudo dramaticamente curto, daquele que o meio artístico haveria de consagrar como MEDEIROS CABRAL.

Santa Clara não esqueceu o filho dedicado, artista que a incorporou numa das peças mais representativas da sua obra. Mas a mais grata e justa homenagem seria a criação na localidade de um lugar onde o seu trabalho pudesse ser melhor conhecido e mais divulgado, o que bem podia acontecer na zona do “Castelinho”, integrado no plano de requalificação daquele imóvel e do seu espaço envolvente, completando-se assim a feliz transformação de que a área das "Cancelas da Doca" e seus arredores tem vindo a beneficiar.
A.O. 31/08/10; “Cá à minha moda" (revisto e ligeiramente acrescentado)

terça-feira, agosto 17, 2010

Recordações: o “canto em baixo” da Rua do Carvão.


O "canto em baixo" da Rua do Carvão hoje em dia.

Em especial para o “Zezinho” e para o “Canhoto” - ambos emigrados vai para quarenta anos, e com quem via “Face book” retomei contacto muito recentemente - aqui vai o fruto do autêntico “brain storming” que as suas mensagens causaram. Este texto, à laia de conto, servirá também, que mais não seja, para ajudar a recordar a zona onde crescemos e muitas vezes brincamos: um bom reinício de conversa.

Chamavam-lhe “rua dos milionários”. A alcunha derivava do facto de a partir da década cinquenta do século XX terem lá sido construídas umas quantas novas moradias, meia dúzia delas de traça elegante, com fachadas a fazerem adivinhar comodidades acima da média. O seu verdadeiro nome era porém, e ainda o é: Rua do Carvão, bem mais humilde portanto. Tal como modestos eram também – ainda hoje o são – a esmagadora maioria dos que lá residiam.
Na realidade, tratava-se, tal como muitas outras por ali em Santa Clara, de mais uma artéria estreita, paredes meias com terrenos com usos agro-industriais, traçada sem grande auxílio da régua e do esquadro, não pavimentada, em cuja zona de maior largueza - um irregular largo na sua extrema sul - outrora se localizara a fonte pública que abastecia muitos dos moradores das redondezas. Com o decorrer do tempo, e já desde há muito, o líquido vital deixara de correr no antigo chafariz do “canto do carvão”, mas não era isso porém o que impedia de à sua volta continuarem a verificar-se regulares ajuntamentos de novos e velhos, uns brincando, outros cavaqueando, uns e outros, muitas vezes, aproveitando como encosto, ou assento, a laje de pedra se mi circular onde antes enquanto a água jorrava para o seu interior se apoiavam os recipientes para encher até quase transbordar.
Foi junto daquela peanha, emoldurada por um alto balcão que ainda lá está encimando a entrada de uma farta quinta – que então se estendia até mais de meio da rua por detrás dos quintais das casas novas –, quando integrava um grupo de rapazes que ali jogava ao berlinde, que o mestre José Correia – o “velho Saldanha”, grande futebolista da década de trinta, e pai do “Saldanha” que alguns de nós ainda vimos jogar como aguerrido lateral do CDSC nos anos 50/60 –, humilde operário, homem reservado, já então carregando o peso de longos anos de uma vida dura, surpreendeu-me com uma exclamação que, quase meio século depois, ainda recordo.
Naquele dia, quando chegava ao fim mais uma manhã de verão, e o aroma agridoce que durante a laboração da Fábrica do Açúcar impregnava o ar em Santa Clara reforçava a lembrança de que se aproximava a hora do almoço, uma pequena manada, a caminho do matadouro, obrigou a interrupção da brincadeira. Entre os bovinos um enorme touro causava merecida apreensão. Isto, mesmo com os movimentos tolhidos pela corrente, que partindo de uma das patas, após passar por uma argola presa ao focinho, estava firmemente segura pelo tratador. Foi tal o desassossego que até o circunspecto “velhote”, sempre recolhido no seu habitual silêncio, transferira para os animais a atenção até ali dedicada a observar a brincadeira dos catraios. E estes, receosos, acercaram-se do ancião, nele julgando encontrar a segurança que lhes permitia observar, de perto, tão imponente animal.
Quando a manada dobrou a esquina os rapazes como que recarregaram energias, com um deles, aliviado, exclamando em voz alta:
- Livra, que besta de touro!
Foi então que “Ti Saldanha”, interrompendo o seu habitual silêncio, asseverou:
- Pois é. Este menino está na escola mas ainda não aprendeu que um animal ou é besta, ou é touro, ambas as coisas, ao mesmo tempo, é que não pode ser!
E mais não disse. Foi suficiente. Marcou.

A.O. 17/08/10; “Cá à minha moda" (revisto e ligeiramente acrescentado)

terça-feira, agosto 03, 2010

Jorge Nascimento Cabral: em sua memória

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Foi tal o atordoamento provocado pela súbita e brutal notícia, que, passados que estão já quase 15 dias, ainda custa acreditar na enorme perda que o “bom combate” sofreu com a partida, sem regresso, de um dos seus mais francos combatentes.
Para além da família, cujo atrevimento em imaginar o quanto nesta hora continuam abalados é dispensável, Jorge Nascimento Cabral origina um avultado rol de órfãos: são aqueles que deixaram de com ele privar, falar, de o poder ler ou ouvir, exercícios mais ou menos solitários, mas sempre recompensados pela lucidez, frontalidade e desassombro do interlocutor, que não pestanejava para dizer ou escrever o que pensava, independentemente do que isso pudesse desagradar a quem quer que fosse. E fazia-o sem confundir amizades pessoais com disputas políticas, ou duras pugnas em defesa de causas!
Do muito que até hoje já se disse e escreveu, permitam-me destacar o comedido elogio fúnebre de Carlos Melo Bento – aqui já infimamente citado – e a feliz frase de Paulo Martinho, enlevando um espírito que “nunca esteve em paz sujeito”. Acrescentar é cada vez mais difícil, mas há algo que não pode deixar de ser referido: Jorge Nascimento Cabral foi MUITO MAIS do que um grande autonomista, porque é necessário ser-se muito mais do que um GRANDE AUTONOMISTA para levar à Assembleia Legislativa dos Açores, tal como ele o fez, a questão da INDEPENDÊNIA DOS AÇORES.
Conheci Jorge Nascimento Cabral em meados da década de oitenta, vivia eu os primeiros anos da minha própria independência, num tempo em que se ia para o Nordeste por uma tão bonita quanto bucólica estrada, ainda toda calcetada, via que a partir da Salga, ziguezagueando de forma cada vez mais pronunciada, procurava as zonas mais estreitas das ribeiras para as transpor, com pontes construídas usando ainda técnicas e métodos herdados aos romanos. Era uma saudosa e agradável viagem, que não se fazia em menos de hora e meia, ou muito mais, caso houvesse paragem pelo caminho para uma refeição, em regra no Porto Formoso. Se a viagem era assim, o Nordeste ainda era melhor: as modernices, e o dito progresso, ainda o não tinham contaminado. Na altura era até possível alugar pequenas casas que havia na margem da Ribeira do Guilherme, junto à foz – na “boca da ribeira” como é hábito ali dizer-se. Na mesma “boca da ribeira” onde à esquerda da ponte de madeira que conduzia até à zona balnear, num acolhedor acampamento – apesar de ter casa de família por perto –, Jorge Nascimento Cabral passou durante anos parte das suas férias. Naquele acampamento, por vezes, qual urbana sala de visitas, havia noites de grande actividade social. De uma delas recordo o animado remate de um qualquer recente debate parlamentar, com os dois tribunos presentes, não obstante estarem em férias, fazendo uso dos seus singulares dotes, com humor e ironia mordaz funcionando em ritmo de pingue-pongue, e rasgadas gargalhadas de permeio. Dos dois jovens políticos de então, ambos desde sempre militando em trincheiras diferentes, um, infelizmente, já não está entre nós, e o outro, há mais de uma década, preside ao Governo dos Açores.
Pois é digníssimo Jorge, ainda não me refiz da desagradável surpresa que nos proporcionaste. Para a atenuar, e compensar a repentina ausência, tenho lido e relido o prefácio com que me brindaste para prelúdio de um livro que por razões várias continua em maqueta, sem ir ao prelo. Ajuda, mas recorda-me que também tenho entre mãos um dos teus órfãos: um prefácio que já não tem o amparo do seu autor. Nada que não se resolva, mas que contigo por perto seria mais fácil.
Descansa em paz amigo.

PS – Faleceu hoje (02Agosto2010) Mário Bettencourt Resendes: também açoriano, também um insigne jornalista, este sim, só e apenas um autonomista.
Terminada uma longa e brava luta, que agora também descanse em paz.

A.O. 03/08/10; “Cá à minha moda" (revisto e acrescentado)

terça-feira, julho 20, 2010

O Jardim Padre Fernando




Muito desejado e esforçadamente conseguido, foi inaugurado oficialmente no passado sábado um emblemático jardim público, cujo simbolismo, tal como o legado histórico que acumula, acresce ainda mais valor a esta forte marca da “nova Santa Clara” com que “Santa Clara – Vida Nova” sonhou. Se não, vejamos:
O lugar da ponta delgada, mais tarde Santa Clara, a extrema Poente da acentuada enseada que tem inicio na Ponta da Galera e o local que a meados do século XV foi berço de Ponta Delgada, três séculos volvidos voltou a revelar-se de primordial importância para o desenvolvimento comercial e industrial da cidade que entretanto já crescera e se consolidara como a maior dos Açores.
Os primeiros efeitos desta nova e importante fase de progresso de Ponta Delgada materializaram-se nas milhares de toneladas de pedra com que em Outubro de 1862 se deu início à construção do porto artificial da cidade, inertes todos saídos de uma pedreira cujos vestígios ainda são visíveis, um imenso veio de basalto que aumentando progressivamente em altura, praticamente desde a “Rocha da Nordela” até aos contrafortes da Clínica do Bom Jesus, ainda em finais do século XX como que exibia em retrato a rija essência do lugar.
Na transição do século XIX para o XX, com avultada actividade em 1902, das barrocas e runas resultantes da exploração das “Pedreiras da Doca” o Eng. Dinis Moreira da Mota projectou e impulsionou aquela que se destinava a ser a maior zona arborizada de Ponta Delgada: o “Parque da Alegria” como o seu criador admitiu chama-lo, “Parque Eng. Dinis da Mota” como oficialmente depois foi designado, “Mata da Doca” como todos em Santa Clara lhe chamavam, e assim ficou popularmente conhecida.
A frondosa e luxuriante “Mata da Doca” a partir de meados do século XX foi sendo aos poucos mutilada. Primeiro, na década de sessenta, com a construção dos depósitos da “Pol-Nato”, o que obrigou a destruir, talvez, o maior conjunto de araucárias da Europa. Depois, já em democracia, foi a “Pepom” que também ajudou a devastar e descaracterizar parte substancial do local. Para finalmente, já nas décadas 80 e 90, em consequência do prolongamento do aeroporto - que quase soterrou por completo aquela área - pouco faltar para todo aquele vigoroso pulmão verde desaparecer por completo. De facto, da imensa área que constituía a “Mata da Doca” (220.900 m2 registou com detalhe Gil Mont’Alverne de Sequeira em 1905) apenas sobrou o espaço que depois da espectacular requalificação de que foi alvo se transformou no “Jardim Padre Fernando”.
De regresso ao presente, ao aprazível jardim agora disponível para fruição da população de Ponta Delgada, em especial da de Santa Clara, é justo referir que um projecto com aquela envergadura só foi possível por constituir um muito cuidado e amadurecido fruto da cooperação entre uma pequena e jovem Junta de Freguesia e o Governo dos Açores, consequência de uma alargada conjugação de esforços a que alguns teimam em não aderir, com claro prejuízo para Santa Clara (é ver o modo de ocupação e gestão do Centro C. Santa Clara; foi - e é - o caso do terreno da Rua Dr. Filipe Alvares Cabral; foi - e é - a questão da derrocada na Cerca/Rocha da Nordela; foram - e são - os sucessivos atrasos na requalificação da 2ª Rua de Santa Clara; é o claro sentido de represália que isso, e muito mais, representam).
Relevante também é aquele espaço evocar o Padre Fernando Vieira Gomes: “o Padre Fernando de Santa Clara”, que pouco depois de chegado ao então humilíssimo curato logo sonhou com uma Santa Clara com outro estatuto, muito se batendo por este desiderato. Ele que soube fazer engrossar o exército dos que, durante mais cinco dezenas de anos, acreditaram na “realidade Freguesia” hoje vivida. Ele que premeditou, e hoje se comprova, que com Santa Clara independente tudo se tornaria mais fácil.
Até os sonhos levam menos tempo a realizar!

A.O. 20/07/10; “Cá à minha moda" (revisto e acrescentado)

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quarta-feira, julho 07, 2010

Santa Clara: uma diferença da noite para o dia

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Hoje tem início mais uma época desportiva, a terceira desta nova fase do CDSC, durante a qual desejamos que seja dada continuidade ao bom trabalho até agora desenvolvido, em consequência do qual, e da estabilidade desportiva que a um nível competitivo muito elevado com o mesmo se tem conseguido, foi disputada até à ultima jornada, em duas épocas consecutivas, a possibilidade de subida à Primeira Liga. Melhor mesmo, autêntica “a cereja em cima do bolo” e culminar do bom trabalho desenvolvido, não é fácil, mas é o que se deseja que desta vez aconteça. Veremos!
Mas não foi só a gestão desportiva o que melhorou. Em paralelo com esta – o que acrescenta qualidade ao trabalho efectuado –, decorridos que estão pouco mais de três anos, começam já a ser visíveis os resultados de uma administração competente, cuidada e criteriosa, que em rotura com as más práticas do passado e contraponto ao desvario que se apoderou do clube ao longo de alguns anos – umas e outro ainda bem presentes na memória de quase todos nós – tem vindo paulatinamente a libertar o CDSC de um destino trágico, que chegou a ser tido como inevitável.
Além de outras, duas notícias recentes dão bem conta da mudança de paradigma agora verificada. A primeira, dando nota de que as contas que serão apresentadas brevemente (só o facto de estas terem voltado a ser apresentadas com regularidade é boa notícia e sintoma de óbvias melhorias) espelham uma clara inversão na tendência dos resultados obtidos, o que acontece mais de uma década depois do clube andar a acumular avultados prejuízos. A segunda, igualmente muito interessante, referindo que também mais de uma década depois, mas desta vez em benefício do CDSC e não de quem dele se servia, são obtidas mais valias com a transferência de um atleta.
É certo que, não desprezando os valores em causa (não é fácil a presente conjuntura), os números de que falamos são claramente mais valiosos pelo que simbolicamente representam do que pelo seu valor material propriamente dito. Mas é também este simbolismo, e o que ele possa representar – e render – no futuro, aquilo que aqui mais interessa evidenciar. Até porque resulta da competente gestão económico/financeira e desportiva já antes referida, para mais quando esta é levada a cabo de forma abnegada e altruísta, em tudo contrastando com outros tempos, o dos profissionais pagos a “peso de ouro”, que nem mesmo assim cumpriam com competência zelo e dignidade as atribuições que lhes eram confiadas.
Podia ser melhor? Claro que sim. É sempre possível fazer melhor, e no caso em concreto, com um pouco de mais determinação em colocar um “ponto final” a duas ou três pendências de pronto identificadas como geradoras de custos exorbitantes, mas cujas soluções se arrastaram arrastando consigo os prejuízos inerentes – o Gímnico, por exemplo –, ainda melhores resultados podiam ser apresentados. Tal como é também bom não esquecer que da herança recebida fazem parte cerca de meio milhão de euros/ano em encargos financeiros; um constrangimento muito considerável.
Parece no entanto que estas melhorias não agradam a todos. Não é difícil detectar – e alguns OCS não se cansam de isso dar conta – os que continuam a recordar com saudade o tempo em que o Santa Clara, em prejuízo próprio e colocando em risco a sua existência, pagava muito mais do que o que podia e devia, gastando quase o dobro daquilo que recebia!
Com isso poucos na altura se preocupavam, e destes, é normal que alguns hoje se encontrem desagradados!
A.O. 06/07/10; “Cá à minha moda" (revisto e acrescentado)

terça-feira, junho 22, 2010

Saramago

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Polémico? Sim, claro. Como poderia deixar de ser polémico quem, pensando tão bem e profundamente quanto ele não se coíbe de com enorme frontalidade nos fazer chegar o resultado das suas reflexões, fazendo-o, quer em discurso directo quer de forma romanceada com uma clareza e simplicidades impressionantes?
Coerente? Também, e muito. Quase se pode dizer: a coerência de toda uma vida! Uma coerência e integridade que são tão mais consideráveis quanto menor é a representatividade, na sociedade onde ele se inseria e vivemos, do grupo daqueles que partilham as suas convicções.
Radical? Talvez. O próprio Saramago o admitia. Mas a intransigência, sobretudo quando – e se – lucidamente sustentada, ficava muito melhor a Saramago do que aqueles, como ao "L' Osservatore Romano" (só para citar um exemplo de topo), que aproveitam a hora da morte do adversário para radicalizarem os seus ataques ao falecido.
Genial? Sim. Com certeza. E é este o Saramago que me interessa, e aquele que cuja memória permanecerá!
Cheguei até Saramago já muito tarde. Não o ignorava, pois desde que em Portugal e por tabela aqui nos Açores a liberdade de imprensa começou a fazer o seu caminho, Saramago era nome não passava despercebido, pelo menos nalguma imprensa. Mas, se não o ignorava, de obras como: “Manual de Pintura e Caligrafia”, “ Levantado do Cão”, “Memorial do Convento”, “O Ano da Morte de Ricardo Reis”, “A Jangada de Pedra” e “História do Cerco de Lisboa”, pouco mais conhecia do que o título, e as opiniões, avulsas, que delas alguns amigos tinham, de modo especial os mais identificados com “a cartilha comunista”, “catecismo” que encontravam transcrito em muitas das páginas de alguns destes títulos.
Foi Sousa Lara o grande responsável pela minha aproximação à obra de Saramago. O radicalismo do então Subsecretário de Estado da Cultura de Cavaco Silva, o seu prepotente espírito censório e a sua consumada reprovação da candidatura do “Evangelho Segundo Jesus Cristo” a Prémio Literário Europeu em 1992 empurraram-me com força para a aquisição do livro em causa. Foi o primeiro de muitos (quase todos). Depois deste, lido e relido como literatura de viagem numa das vezes que fui a Israel (e o usei como guia para alguns dos percursos), havia que recuperar o tempo perdido, constatando que pelo menos “Memorial do Convento” e “O Ano da Morte de Ricardo Reis” deram real conta do quanto havia até então perdido. Como imperdível (para mim o melhor) é também “Ensaio Sobre a Cegueira”, o primeiro comprado em 1ª edição, quando fresca ainda estava a sua tinta, e se apresenta como um representativo exemplo da enorme capacidade analítica, criativa e descritiva de Saramago.
Já encerrando o livro, tropeçando nas vírgulas que substituem pontos e são marca da escrita de Saramago, o autor, encarnando o médico, e respondendo à pergunta:
- “Por que foi que cegamos”, oferece-nos esta preciosa pérola:
“(…) Não sei, talvez um dia se chegue a conhecer a razão, Queres que te diga o que penso, Diz, Penso que não cegámos, penso que estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos que, vendo, não vêem.
Tem razão, e não há mais nada a dizer! Como não deixa de ter alguma razão quem disse: “não há palavras. Saramago levou-as todas”. Não foi bem assim, mas foi quase!
A última grande ironia de José Saramago foi ser cremado e mesmo assim permanecer entre os que têm direito a vida eterna. O que não deixa de ser um justo merecimento!

A.O. 22/06/10; “Cá à minha moda" (revisto e acrescentado)

terça-feira, junho 08, 2010

6 de Junho; e já lá vão 35 anos

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Exigiu-se Independência para os Açores, conquistou-se a autonomia com que nos governamos. Contudo, atenção, muita atenção: ao contrário do que muitos pretendem fazer constar, não foi aquela a primeira vez que nestas ilhas os anseios de Autodeterminação e Independência eclodiram. Esta é outra verdade quase sempre, e propositadamente, ignorada!
De então para cá muito mudou. Em 1975 dizia-se que os Açores não tinham condições de ser independentes, que nem “fábrica para fazer cuecas” possuíam, dependendo, até nisso, de Portugal para sobreviver. Santa ingenuidade. Como se não fosse a soberania, este bem de valor incalculável, a grande panaceia, e solução para transpor ou até eliminar dificuldades; basta olhar para o que se passa em Cabo Verde.
Podemos também olhar para Portugal: hoje, e, sem mais nada fazer do que só deixar passar o tempo, verifica-se como na “pátria mãe”, não obstante o número de “fábricas para fazer cuecas” que tem, ou que já teve, são enormes (tão ou mais graves do que os que teriam uns Açores Independentes) os problemas que apresenta para manter a sua própria soberania, se é mesmo que ainda a detém – recordo uma das últimas visitas do Primeiro Ministro de Portugal a Bruxelas, e da sua radical mudança de política e de discurso, a partir daí: “o mundo mudou”, passou então a dizer! Uma “mãe pátria” que, tal como outrora aconteceu com o Brasil e muito mais tarde com Angola, usa e abusa dos Açores, uma das duas “jóias da Coroa” que lhe restam do vasto Império, como mais valia negocial junto da UE, e dos EUA.
De então para cá – dizia eu – muito mudou, mas nem tudo mudou para melhor: não faltam, agora, portos, aeroportos, estradas e outras construções. Escasseia, isso sim, gente, sobretudo gente com a mesma têmpera daqueles que da terra, especialmente colocando-a produzir, tal como aconteceu com a laranja, conquistaram a nata da Europa.
Queiram ou não, o 6 de Junho de 1975 está para a autonomia dos Açores – e da Madeira – como 25 de Abril de 1974 para a democracia em Portugal!
Se não, vejamos: já após a Revolução dos Cravos, em Portugal, como se ainda fosse “o tempo da outra senhora”, o MAI da altura, preparava uma nova divisão administrativa do território transformando os Açores numa província – porventura adjacente –, que com outras oito parcelas (Madeira e mais cinco províncias em “terra firme”) corporizariam o projecto de regionalização ao tempo em curso, dotado de autonomia político administrativa. Só após o “6 de Junho”, e – por mais que desagrade a alguns – em consequência directa deste, se pensou ir mais além no que aos Açores e à Madeira dizia respeito. Mas os efeitos imediatos do “6 de Junho” não se ficaram por aí. Só após o “6 de Junho”, ainda “na ressaca” dos acontecimentos em Ponta Delgada, e usando a estratégia "de amansar" que tanto efeito tem e ainda hoje é muito adoptada e resulta, o Conselho da Revolução determina como medidas a implementar nos Açores, entre outras: a atribuição imediata de 100.000c ao Plano Pecuário dos Açores; um significativo apoio ao sector das pescas e conservas de peixe; a urgente cobertura médica do arquipélago; e até, imagine-se, a instalação de um Secretariado Regional da Banca.
Hoje para continuar a dar sentido ao 6 de Junho, há que olhar em frente e ser cada vez mais exigente: não ter de pedir licença para ensinar ao Povo a que pertencemos a nossa própria História, nela incluindo todos os 6 de Junho que precederam o de 1975, entre outros, o de 1 Março de 1821, ou o de 2 de Março de 1895; revoltarmo-nos contra leis que nos conotam com o fascismo por defendermos a independência da nossa terra; indignarmo-nos por nos impedirem de organizar em partidos aqui originários, único modo democrático de lutar, sem subtilezas, pelos nossos próprios interesses. E também, que haja coragem: já tarda a institucionalização do 6 de Junho, dar nome a uma rua é manifestamente muito pouco!

A.O. 08/06/10; “Cá à minha moda" (revisto e acrescentado)