terça-feira, dezembro 30, 2008

Entre Natal e Ano Novo


Neste tempo de cruéis hipocrisias e oportunas filantropias, regressei ao “Jantar do Bispo”.
Como nestes dias de rotinas alteradas eu mantenho as minhas, foi no sítio de costume – após o café de costume, lido que estava, como de costume, o jornal do dia, e quando, já pronto para minutos depois, à hora certa, aprazada, iniciar o trabalho previamente combinado – que um acaso me proporcionou o bom reencontro.
Não contava – não lhe era habitual – com a demora a que o parceiro de jornada me sujeitou. Males que vêem por bem, pois, irrequieto com a espera, reparei que sobre a mesa grande, encimando uma pilha de outros livros, estava o “Contos Exemplares”, de Sophia, onde se desfruta o “manjar”, que não canso repetir. Na hora, para consumir a delonga, mais não pretendia do que lhe dar uma outra rápida “passagem de olhos”. Mas, quiçá atendendo à quadra, ou por ser tão compacto o manancial de génio ali ao dispor, a minha atenção, como que teleguiada por entre aquela poética prosa, retinha-se invariavelmente em excertos que ganhavam especial relevo, realçando, com polida crueza, “a careca nua” de uns quantos.
Anotei. Partilho:

Sobre o justo mas desalinhado pároco;
(…) a fome escrita na sua cara não era hereditária, mas sim voluntária. Ele rejeitara o seu lugar entre os ricos e tomara o seu lugar entre os pobres.”

Do pedante e entufado patrono;
“Estas notícias não entusiasmavam o Dono da Casa. Porque ele costumava dizer: «Todo o poder vem de Deus». E pensava que um padre devia por isso respeitar todo o poder estabelecido e respeitar o dinheiro e a importância social, expressões do poder.”
“Ele tinha uma fé firme e sem dúvidas, baseada não nos Evangelhos, que nunca lera, mas sim na sua boa educação e no seu respeito pelas coisas estabelecidas.”
“ E sobretudo – ai!, sobretudo – os retratos do Dono e da Dona da Casa, rosados e estilizados, sentados num cadeirão torcido, ao lado de um jarrão da China, contrastavam amargamente com os retratos secos e sombrios dos antepassados. Mas o Dono da Casa não dava por este contraste e gostava de se ver, rosado como um fiambre (…)” “E também os quadros ali expostos tinham mudado de proprietário juntamente com as casas e as quintas. Os quadros, porém, além de mudarem de proprietário, tinham mudado também de descendência.”


Voz da plebe, rude, genuína;
– Nos tempos que correm – disse a cozinheira – já não há Deus nem o Diabo. Há só pobres e ricos. E salve-se quem puder.”

***

Já agora, socrasticamente falando, aqui ficam votos de boa navegação pelo “Cabo das Tormentas”, e que rapidamente alcanceis a boa esperança.

A.O. 30/12/08; “Cá à minha moda” (Revisto e muito acrescentado)

terça-feira, dezembro 16, 2008

Começar às “arrecuas”




Não foram positivas, convenhamos, as primeiras referências provindas da ala maioritária da ALA que esta legislatura nos proporcionou logo no seu início, com destaque para a questiúncula da não votação/votação do Programa de Governo. Os sinais (dos tempos) há muito que já se anunciavam, com o arrebanhar e ordenar das hostes fazendo torcer o nariz a muitos, mesmo entre camaradas de armas. Porém, nada levava a adivinhar que se chegasse tão longe; subtrair uma votação. Como que se o voto não fosse o cerne da democracia!
Se já não é fácil aplacar o poder, fica praticamente impossível refrear o seu jugo sempre que este se prolonga no tempo. Hoje, não é difícil dar conta do bafio que entra pela mesma janela onde, em Outubro de 1996, soprou uma tão agradável quanto arejada lufada de ar fresco; a começar pelo obediente enfático aplauso, com direito a alusão histórica, sublinhando a primeira vez que se aplicou, na íntegra, um preceito regimental até então – e bem – ignorado. Tudo, para logo na manhã seguinte, mais uma vez mansa e submissamente, após oportuno “mea culpa” e respectiva negociata, se voltar à estaca zero. Como se a verdade da véspera deixasse entretanto de o ser; tal qual como no futebol!
Registe-se a coesão de toda a oposição no desmascarar da ocorrência, que – é minha convicção –, fora como antes, ainda pouco alargada e menos plural, e não teria conseguido tanta eficácia na denúncia.

*
Passando de uma birra para outra, lá teremos esta semana o Estatuto dos Açores submetido a uma 3ª chamada (e, quase de certeza, não será ainda a última)!
Sobre esta outra trapalhada, que de um lado – nos Açores – colecciona unanimidades para no outro – em Portugal – revelar inusitadas coligações [P.R. e seus apaniguados + PCP + importantes sectores do PSD (umas vezes com, outras sem, Mota Amaral), e agora também + Freitas do Amaral], sou obrigado a concordar com Jorge Sampaio quando referiu que a Autonomia dos Açores já atingira o seu limite.
Mas então porque esperamos?
Não percamos mais tempo com o Estatuto, é de uma Constituição própria que o Povo dos Açores carece!

A.O. 16/12/08; “Cá à minha moda” (Revisto e acrescentado)

terça-feira, dezembro 02, 2008

Desconfiados







Os resultados do mais recente Inquérito Social Europeu, que a medonha máquina de propaganda que nos condiciona e governa se encarregará de desmerecer e desvalorizar – se não mesmo encobrir –, colocam os portugueses entre os povos mais desconfiados da Europa.
Qual é o espanto? Esperavam o quê? Até porque este é um estudo que, não adiantando nada de novo, apenas se limita a confirmar o que intrinsecamente sentimos!
Que confiança podem ter os desgraçados habitantes de um país, para mais dito integrado na Europa moderna, rica e desenvolvida, quando se vêem confrontados, regularmente, com casos como: o arrastado Processo Casa Pia; a licenciatura do Primeiro-ministro, a um Domingo, e numa Universidade que pouco tempo depois é encerrada compulsivamente; as promessas de 150.000 novos postos de trabalho, que, decorrido o tempo expectável, na pratica acabam resultando em agravamento de um índice de desemprego antes referido como prova da incompetência dos substituídos; BCP, BPN, BPP e outros B,s que, não falta nada, e deverão estar na calha; a incompreensível posição do Governador do Banco de Portugal sobre todas estas trapalhadas; a inenarrável entrevista de Dias Loureiro, como que querendo nos convencer que o Pai Natal existe mesmo, tudo isso e muito mais, com polícias e ladrões à mistura, servido sempre ao vivo e a cores.
Mais do que dos resultados do ISE – que, no ranking da civilidade, atira também os portugueses para patamares mexicanos –, gostei e registei a forma como um dos seus divulgadores, textualmente, escrevia: “o ISE coloca os portugueses entre os mais desconfiados do continente”. É confortável saber que já começa a alargar o leque daqueles para quem “portugueses” é uma coisa, e “continentais” pode ser outra bem diferente.
Incómodo é desconhecer, se, neste mesmo exacto contexto, será também bom ser açoriano!

A.O. 02/12/08; “Cá à minha moda” (Revisto e acrescentado)

terça-feira, novembro 18, 2008

American dreams



São elevadas, muito elevadas mesmo, as expectativas criadas à volta da eleição de Barack Obama. Não só nos EUA, onde para já – o resto poderá vir depois – o homem também se apresenta como solução para a crise que o ajudou a eleger, e que agora, muitos esperam seja ele capaz de a resolver. Mas também, já que o próximo presidente dos conterrâneos do Tio Sam reuniu à sua volta enorme consenso fora dos EUA (desde o norte oriental; Rússia e China, até ao centro e sul ex-colonial; Africa e América Latina), são de amplitude quase global as esperanças depositadas no primeiro negro que irá ocupar a Casa Branca.

Alterações de paradigma conseguidos assim de forma tão ampla quanto brusca, só mesmo na América; este é mais um dos sonhos americanos tornado realidade!
A propósito: Que diria hoje Martin Luther King – octogenário se ainda fosse vivo –, podendo testemunhar, apenas quarenta e cinco anos após ter proferido o célebre “ I have a dream”, a concretização de um passo bem mais arrojado do que alguns daqueles que os seus sonhos consubstanciavam?
Para a história fica também a galhardia e nobreza de carácter de John McCain, sobretudo na hora de reconhecer, e saudar, a vitória do adversário. Aliás, estou em crer que McCain daria também um excelente presidente. Especialmente se, manipulando em conjunto a “máquina do tempo” e os poderosos aparelhos que colocam os candidatos às eleições americanas na linha de partida, tivesse sido possível, no início do século XXI, lançá-lo em lugar de Walker Bush.

De sonho – e como seria bom isso “fazer escola” e transformar-se em “lição” –, foi também o facto da recente eleição ter sido entre dois “outsiders” da lógica partidária vigente, senhores de invulgar estatura democrática, espírito de serviço cívico, e currículos recheados de trabalho em prol de causas sociais!

A.O. 18/11/08; “Cá à minha moda” (Revisto e acrescentado)

terça-feira, novembro 04, 2008

Da abstenção à sucessão


Feita que foi a saudação ao acréscimo de pluralidade com que as eleições de Outubro p.p. brindaram o Parlamento dos Açores, é chegada a hora de abordar uma outra das particularidades do último acto eleitoral.
Pela primeira vez, em eleições do género, foi ultrapassada a barreira dos 50% (53,24 para ser mais preciso), cifra que adicionada aos 2,72% de votos brancos e nulos – decisões maioritariamente conscientes e com uma expressão quantitativa que daria folgadamente para eleger mais um deputado pelo circulo de compensação – atira para cerca de 56% o número de eleitores “fora do sistema”.
Claro que, numa clara tentativa de minimizar os danos, chegaram-se à frente alguns responsáveis políticos reconhecendo ser dos partidos a grande responsabilidade pelo enorme, e em crescendo, alheamento cívico que a elevada abstenção expressou. Pois sim. Mas é importante não colocar tudo no mesmo saco, mas sim apontar, inequivocamente, a que partidos se devem assacar aquelas responsabilidades. Aos mais pequenos, que até, no caso, regra geral, reforçaram significativamente a sua votação, não deve ser com certeza!
56% do eleitorado é de facto muita gente! Tal como é também muita gente aquela que, aos poucos, começa a ter a certeza – pois a percepção já há muito que a tinha – que este “sistema de vasos comunicantes”, independentemente das suas oscilações da direita para a esquerda e vice versa, acaba sempre regando as mesmas flores. É a velha história do “prato das papas”, que umas vezes mais, outras menos, mas rotativamente vai sempre parar às mesmas mesas!
O melhor exemplo disso foi assistir à forma como a sucessão que podia – e devia – ser feita no PS o não foi, para aquela que já há muito devia – e podia – ter sido feita no PSD só agora acontecer.
É tanto o calculismo que mais parece acordo tácito prévio.
Pois então bons negócios; com lucros garantidos e dividendos a depositar no mesmo BPN cujas acções, agora, querendo ou não, todos teremos de subscrever e pagar.

A.O. 04/11/08; “Cá à minha moda” (Revisto e acrescentado)

terça-feira, outubro 21, 2008

Sim, foi. Pois, claro que é!



O Povo Açoriano – em rigor, há que descontar os mais de 50% de abstencionistas – respondeu com clareza às duas questões mais profusamente divulgadas na campanha eleitoral:

Melhor é possível”, afirmavam uns. Sim, foi; confirmou-o o Povo. Votando de modo a fazer-se representar com maior amplitude, e, sobretudo, de forma menos exclusiva.

Que bom é ser açoriano”, repetiram outros quase até à exaustão. Pois claro que é; e mais uma vez o Povo corroborou, indiciando, claramente, que tanto melhor assim será, quanto mais plural for a forma como estiver parlamentarmente representado.

Ironias à parte; finalmente aconteceu – embora ainda me não satisfaça completamente – um significativo alargamento da base de representatividade do Parlamento Açoriano! Convenhamos que era frustrante, quase 35 anos depois do Abril que terminou com 48 anos de ditadura (5 de Revolução Nacional, 37 de Estado Novo Salazarista e mais 6 de Primavera Marcelista), que, aqui nos Açores, mesmo que democraticamente eleitos, se não encontrasse melhor substituta para a União Nacional do antigamente, do que uma união conjuntural de interesses, à volta da qual, o serviço cívico que a política deveria desempenhar, na prática, esteja praticamente transformado numa actividade económica para sustento de carreiras profissionais privilegiadas.
Se para mais não servir – e servirá, estou convicto! –, o resultado eleitoral do passado Domingo prova que o trabalho inteligente, esforçado, metódico e organizado, independentemente dos meios disponíveis, é geralmente bem recompensado. Tal como terá, com certeza, enorme relevância política o facto de, agora, quase todas as forças políticas concorrentes (será desta que o PDA aprende?) terem ganho representação parlamentar. E, o que não deixa de ser menos importante, nem todas o conseguiram só “por obra e graça” do circulo de compensação!
Sim: foi possível fazer melhor.
E, claro que é – e cada vez mais assim será – muito bom ser açoriano.

Pena é que, alguns, só recentemente se tenham disso dado conta!
A. O. 21/10/08; “Cá à minha moda” (Revisto e acrescentado)

segunda-feira, outubro 13, 2008

Tal como nos ensinou Lavoisier:

Roubado aqui.


Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”,

o que, em política, e tendo em conta o que se está assistindo, me dá uma enorme pena!
Recordar Lavoisier é o mínimo que me ocorre quando observo o actual PGA e líder do PS/Açores que, perdendo uma oportunidade histórica de fazer muito diferente – para melhor – do que o que aconteceu na recta final do “motaamarelismo”, em muitos aspectos mais não faz do que copiar os métodos usados em finais de 80, inicio de 90; o que, ironia das ironias, eram práticas que o próprio C. César, então, também denunciava e criticava com veemência.


Tudo isto vem a propósito desta campanha eleitoral, que continua frouxa e desinteressante, embora, agora que se aproxima da recta final, e se concentra em terrenos eleitoralmente mais produtivos – São Miguel, com ou sem circulo de compensação, continua sendo o reduto eleitoralmente mais rentável –, não obstante ter aumentado o seu “nível do ruído”, pouco ou nenhum contributo tem acrescentado em termos de esclarecimento essencial. Talvez por isso, confirmando-se os “zuns-zuns” que por aí circulam, a abstenção dispare para números nunca antes vistos (o que até acaba favorecendo quem os abstencionistas, inconscientemente, julgam castigar).
Se nas fileiras do poder é o que se vê, com um César imperial centrando em si as atenções – como que para disfarçar, ou até mesmo, quiçá, envergonhado das estrelas mortiças ou já mesmo cadentes da constelação que encabeça (eis aqui outra das semelhanças com o final do ciclo anterior) –, o principal grupo oposicionista não está melhor. Aí, ao contrário, o “líder” é como que “empurrado” pelo que sobra de um exército destroçado, caduco – porque não dizê-lo! –, desalinhado, assim provando à saciedade o provérbio que reza: “em casa onde não há pão…”.


À margem:
É verdade, ou será apenas mais um boato, que se está vivendo no redemoinho de uma crise financeira global, sem precedentes para a maioria dos vivos?
É que, tratando-se de boato, então passo a entender o porquê deste não ser um tema de campanha!

Jornal de Campanha - AO 14/10/2008 (Revisto e eacrescentado)

Sinal dos tempos



Roubados: aqui e aqui

Cheguei a pensar ser apenas impressão minha, mas quanto mais se fala no assunto, e sobretudo à medida que o tempo passa, é cada vez mais notória a falta de entusiasmo, senão mesmo a apatia, que perpassando todo o pré período oficial que lhe foi destinado, continua instalada pelo menos nestes primeiros dias da campanha propriamente dita.
Não é que sinta saudades de ver as ruas entulhadas de cartazes tipo “arraial saloio”. O que acho grave é que eliminado o espalhafato superficial – que é de saudar –, o tempo, o dinheiro e as energias que aí se poupam não tivessem sido dirigidas ao essencial; coisas tão simples como confrontar, debatendo ou simplesmente ir anunciando, o que as diferentes forças políticas concorrentes incluem, e as diferencia, nos seus programas eleitorais. Isto sim; é de lamentar!
Tão ou mais grave ainda, é que não fora os tempos de antena – que não entram nos orçamentos de campanha – quase que ficávamo-nos pelo “Melhor é possível” ou pelo “Que bom é ser açoriano” e seus sucedâneos, se a isso, ingénua ou franciscanamente, não quisermos associar o celebérrimo KIT.
Certo, certo é que cada vez mais se nota a crescente indiferença reinante; nem parece que só faltam dez dias para “a festa da democracia”, entretanto – comportamento gera comportamento – como que transformada numa calculista e burocrática rotina, com a qual, salvo raras e honrosas excepções, apenas têm contribuído para que, "mudando qualquer coisinha", o tempo se encarregue de fazer com que tudo fique na mesma!

Neste campeonato desigual, onde o “círculo de compensação” veio trazer algum alento aos menos poderosos, são naturalmente os “grandes” que mais gastam e desperdiçam. Mais gastam; porque só o somatório dos seus orçamentos ronda os 3MEuros. E desperdiçam; porque não é necessário ser profissional deste “metier” para se dar conta que, numa hora destas, tanto J. Sócrates como Manuela F. Leite para além de dispensáveis, são claros empecilhos para quem cá está.
Com justiça, o mesmo não se pode dizer das minúsculas formações partidárias que se esforçam por aproveitar “os restos”. Destes, para o bem e para o mal, mas assumidamente com grande desassombro, no rácio efeitos/meios destaca-se o MPT – Partido da Terra, isto, ainda antes da última “ajuda”; o “caso SATA”.

Jornal de Capanha - Ao 9/10/2008 e 13/10/2008 (revisto e ligeiramente acrescentado)

terça-feira, outubro 07, 2008

Dias de Melo

Tinha pouco mais de dez anos, frequentava o então primeiro ano do antigo “ciclo preparatório” da Escola Industrial e Comercial de Ponta Delgada, na ocasião, funcionando em edifício adaptado para tal ao fundo de uma pequena quinta paredes meias com o Jardim José do Canto, quando tive o privilégio de conhecer, no desempenho do seu mester, o professor “baleeiro”.
Tal como eu, muitos, estou certo, foram os alunos por ele indelevelmente marcados pela forma simples, prática e à vontade, com que connosco tratava e nos confrontava com a língua e a literatura portuguesas enquanto meigamente trincava a boquilha do cachimbo que mantinha, quase permanentemente – muito do tempo apagado – no canto esquerdo da boca (“O fumo do meu cachimbo” era só para os jornais). Isto para além da sua característica voz: um acentuado sotaque picoense; palavras ditas de forma muito pausada; timbre rouco, nem sempre fácil de entender e com uma sonoridade que parecia resultar da enorme caixa de ressonância por onde o verbo passava, como que indeciso, por estar melhor destinado para a escrita do que para a fala. Talvez por isso, entre nós, alunos, e de forma mais carinhosa do que ofensiva, lhe chamávamos “Fanfan”.

Na falta de palavras melhor adequadas, permitam-me usar as do próprio para aqui deixar este humilde registo em memória de quem, de forma magistral, descreveu, também em verso, substantiva parte dos Açores, e da vida dos açorianos:

AS ILHAS DOS AÇORES

(…)

As pérolas do Atlântico
Muita gente lhes chamou
São o resto da Atlântida
Que neste mar se esfumou.

Este grande continente
Que há muito sossobrou
Levou consigo toda a gente
Nem um habitante escapou.

Diz-se que esse povo guerreiro
Muitos povos massacrou
Que Deus do mundo inteiro
O destruiu e castigou

Restam estas nove ilhas
Eram os pícaros das serras
Encontradas pelos navios
Que buscavam novas terras.


(…).

Ou, já num registo mais próximo daquele que todos conhecemos; o da habitual, e militante, intervenção social:

O BALEEIRO ENGANADO

Minha vida foi baleeiro
Nesta maldita Calheta
Mas em vez de dinheiro
Saiu-me foi uma peta

Mentiram os armadores
mentiram os oficiais
mentiram os trancadores
motoristas e arrais.

Neste sarilho de enganos
também eles são enganados
mentem há muitos anos
mas nunca serão saciados.


VINTE ANOS DEPOIS – RESCALDO DE UMA VIDA

(…)

Eu sou filho de baleeiros
e neto de pescadores
nesta vida os primeiros
nestes mares dos Açores

Deram vida à Freguesia
deram vida aos Açores
quando por aí só havia
miséria com seus horrores

Pescando peixe do fundo
baleias por todo o mar
buscaram por todo o mundo
uma vida para nos dar

Esta vida foi roubada
com bem poucos sentimentos
por uma tão vil cambada
de vis porcos bem nojentos

E quando eu lhes dizia
que era bom acautelar
o que era da freguesia
não se deixava roubar

Faziam troça de mim
olhando muito a sorrir
mas ficavam todos assim
e agora?…querem fugir

(…)
Abril de 1972
Continua a hipocrisia

não recebam os Judas

A. O. 07/10/08; “Cá à minha moda” (Revisto e muito acrescentado)

quarta-feira, setembro 24, 2008

Permitam-me a pergunta…


- Que grande desassossego terá havido ontem para que este meu humilíssimo blog, local onde em regra não passam mais de 20 diferentes visitantes diários, tenha, de um momento para o outro, atraído mais do quádruplo das atenções habituais?

terça-feira, setembro 23, 2008

Momento KitKat



Kit “Governo dos Açores”:

Já recebi o meu. Gostei. Só que ainda não o abri. Nem o faço tão cedo. É que, do que mais gostei, foi da tampa da caixinha, onde, um “antes morrer livres do que em paz sujeitos” em fundo, dá devido realce a: GOVERNO DOS AÇORES.
Não há Povo Açoriano, mas há Governo dos Açores! Por enquanto, pois estou certo já ter faltado mais para que algum neocolonialista empertigado repare nalguma grave inconstitucionalidade que a frase possa conter, obrigando ao seu “arquivamento”.

“Kat_urrice”:

O Matadouro Frigorífico e Industrial de Ponta Delgada, hoje um repugnante amontoado de ruínas, foi nos seus tempos áureos – certamente ajudado pela propaganda do Estado Novo –, “um dos melhores em qualquer parte do mundo”. Não obstante isso, nem meio século durou!
Antes dele, no mesmo local, e durante mais de três quartos de século, funcionou o “velho” matadouro de Santa Clara, uma instalação mais modesta, que a partir de Abril de 1886 passou a substituir, com vantagem, o barracão para o mesmo efeito existente no centro de Ponta Delgada, naquilo que então se denominava “Calhau da Matriz” – hoje, algures por baixo da Avenida Infante Dom Henrique, ligeiramente para poente da Praça Gonçalo Velho.
Perante este encurtar dos ciclos de vida útil (do melhor que há em qualquer parte do mundo), ocorreu-me:
- Que tal, mesmo que o horizonte temporal não vá além do próximo quarto de século, mas sobretudo sem recorrer a doses maciças de betão, ordenar – e limpar – a orla marítima de Santa Clara tendo como balizas, exactamente, as “Cancelas da Doca” e as dantescas ruínas do matadouro?
Santa Clara agradecia, a ponta delgada e rasa também, e estou absolutamente convencido que, sem grandes dispêndios, facilmente ali se recriaria, natural e espontaneamente, uma tradicional e muito apetecível zona balnear que só o lixo desaconselha e os tetrápodes camuflam.
A. O. 23/09/08; “Cá à minha moda” (Revisto e acrescentado)



sexta-feira, setembro 19, 2008

O Kit “Governo dos Açores”

Já recebi o meu Kit. Gostei, e não entendo o alvoroço que fazem à volta da distribuição, democrática, desta prendinha pré eleitoral. Afinal o Kit vai chegar a casa de cada um de nós, tornando-se assim, talvez, no único mimo de campanha com vida útil superior a um dia – é este, mais ou menos, o tempo que duram os aventais, panfletos e outro lixo (as tshirts duram um pouco mais) – entregue massivamente ao “peixe miúdo”, pois os outros regalos, os substanciais, vão directamente para “os tubarões” (e nisto, poder e oposição com possibilidade de um dia vir a ser poder, em pouco ou nada diferem).
Gostei sim. Muito. Só que ainda não abri a caixinha, nem a abro tão cedo. Tenho medo de ver frustradas as minhas expectativas, e logo arrepender-me. Deixar de gostar!
É que, do que mais gostei, foi do destaque: GOVERNO DOS AÇORES.
Não há Povo Açoriano – não dá dinheiro pelo que dizem! –, mas há Governo dos Açores. Bem bom. Por enquanto, digo eu. Porque quando algum neocolonialista mais empertigado reparar – será por isso que nos “spots” publicitários o locutor diz invariável e complexadamente “Governo Regional dos Açores”, e não, simplesmente, Governo dos Açores? – vamos com certeza assistir a mais um qualquer veto proverbial, logo seguido das solidariedades alaranjadas que, como já vai sendo costume, nestas coisas lhe fazem sempre alargado coro!

Claro que gostei também do “Antes morrer livres do que em paz sujeitos”. Mas esta, convenhamos, é uma proposição já consolidada desde a primeira campanha autonómica.
Governo dos Açores, pelo contrário, é afirmação bem mais recente, que há que começar a divulgar, e interiorizar; não venha para aí mais um qualquer Salazar e a retire, tal como o outro fez com a moeda!
Façam como eu. Coloquem a caixinha em local de destaque. Olhem para ela sempre que puderem. Leiam: GOVERNO DOS AÇORES. Habituem-se. Habituemo-nos!

sexta-feira, setembro 12, 2008

Um açoriano à conquista de Portugal


Um artista açoriano esconde-se em museus portugueses para, clandestinamente, pendurar os seus quadros e assim mostrar o fruto da sua criação.

Quer saber mais? Compre ou consulte a “Sábado” desta semana.

terça-feira, setembro 09, 2008

Cantigas ao desafio


Em Abril de 1886, 25 anos após o início da construção do porto artificial da cidade, inaugurou o matadouro Municipal de Ponta Delgada, então uma instalação bem mais modesta do que aquela que, reconstruída e completamente remodelada, surgiu em meados do século XX como exemplo de avanço tecnológico e arrojo arquitectónico, e que agora se apresenta como uma miserável ruína que a todos, especialmente aos santaclarenses, envergonha e incomoda.
A 7 de Maio de 2008, mais ou menos de surpresa, o “Matadouro de Santa Clara” foi mote de uma “desgarrada” da qual, mais do que as inflamadas palavras que a animou, interessa sim conferir a pratica seguida até aqui – e a que irão seguir?! – pelas entidades envolvidas na demanda pela posse do obsceno destroço em que se transformou aquele antigo sinal de modernidade.
Na ocasião, ficou a ideia que os santaclarenses serão soberanos na escolha do destino a dar àquele espaço. Seria bom que assim fosse. Veremos se assim será, até porque aquela zona pode ser a ancora, e/ou o aprimorado remate, da urgente e necessária ordenação da orla marítima de Santa Clara, que apesar de tudo, é a única em Ponta Delgada a manter o seu perfil natural (mais ou menos original), inserindo-se neste, ainda, a “ponta delgada e rasa”, que deu a Ponta Delgada o seu nome.
Porém, e porque os “senhores do poder”, ao contrário do que nos pretendem fazer crer, continuam a existir – e não de modo muito diferente ao que, destemidamente, em 1968 o Padre Fernando denunciou –, não estou convencido da generosidade ali subitamente manifestada: é que não há nada melhor do que umas quantas toneladas de betão – no caso de Santa Clara, perfeitamente dispensáveis – para conciliar determinados interesses (veja-se o caso da Calheta de Pêro Teive). Também por isso temo que o melhor proveito para os santaclarenses não coincida com o das partes ali em disputa.

A. O. 09/09/08; “Cá à minha moda” (Revisto e acrescentado)

terça-feira, agosto 26, 2008

AUTONOMIA & autonomia

Ainda os portugueses (atletas - naturalizados inclusive -, dirigentes, comentadores e público em geral), na sua olímpica bipolar esquizofrenia, ora carpiam mágoas ora comemoravam eufóricos os resultados de Pequim, já as atenções futebolísticas se focavam na estreia de Carlos Queirós, em jogo tido como fácil, contra uma selecção onde uma das estrelas ganha a vida como carpinteiro.
Por mim, futebol à parte, prefiro analisar este Portugal vs Ilhas Faroé por um outro prisma: o das autonomias quando o são de facto; quando “a pátria mãe” não tem medo da evolução autonómica; e quando a emancipação pode acabar acontecendo, naturalmente.
As ilhas Faroé, ou “Ilhas das ovelhas” ("dos carneiros", teimosos mas seguidistas, ou "das vacas", com sua irritante passividade bovina, seria bem pior), com apenas 47.000 habitantes – 16.000 dos quais fixados em Streymox, a maior e mais populosa das 18 ilhas do arquipélago –, embora aspirem e façam por isso, não são um país independente, mas sim, ainda e só, uma região autónoma. Com uma autonomia que paulatinamente se tem alargado e consolidado; autonomia em cujo horizonte se perfila a independência, mas, por enquanto, só e apenas, uma Autonomia (desde 1948, logo com 60 anos, quando a dos Açores, no papel, tem quase o dobro desta idade).
Imaginando o dia em que, tal como aconteceu antes do jogo com as Ilhas Feroé, poderei ver futebolistas portugueses perfilados perante a Bandeira Açoriana ao som do nosso Hino, logo pensei na oportunidade que o Presidente da Republica Portuguesa com certeza não desaproveitaria para dar trabalho ao Tribunal Constitucional, e/ou promulgar mais um veto!
Passado o devaneio, ocorreu-me a seguinte questão:
- Mas afinal, para Portugal, não seria mais honroso defrontar (mesmo tendo de se colocar em sentido frente à Bandeira dos Açores) uma sua Região Autónoma em lugar da congénere dinamarquesa? Para mais, quando no mesmo dia, as equipas principais dos Reinos da Dinamarca e de Espanha se defrontavam, assim como que conferindo a Portugal o estatuto de comunidade autónoma espanhola.
Eu cá acho que sim!

A. O. 26/08/08; “Cá à minha moda” (Revisto e acrescentado)