Sugestão de ocupação de um dos espaços propostos no
âmbito da actividade "PARTICIPAR / INQUIETAÇÃO" por
Pedro Maiato e Miguel Abrantes
Estivesse ele ainda entre nós, e de hoje a oito dias José Manuel de Medeiros Cabral completaria cinquenta e cinco anos de idade. Assim não será, infelizmente, pois no dia 20 do passado mês de Dezembro decorreram exactamente 30 anos sobre a data do seu falecimento.
Menino diferente, sossegado, habitualmente apartado dos outros da mesma idade, muito cedo o Zé Manuel Cabral se transformou no jovem inteligente, estudioso, socialmente inquietado e interventivo, que enriquecendo-se e consolidando-se como tal também nos movimentos de intervenção social que em finais da década de sessenta orbitavam à volta da Igreja de Santa Clara, começou logo aí a revelar a consciência de classe que o marcou, e a sua obra retrata.
Ainda criança, quando na falsa do nº 126 da 1ª Rua de Santa Clara armava aprimorados altares, palcos e outras artísticas instalações, Zé Manuel já deixava perceber a agitação e criatividade contidas no seu espírito, só aparentemente plácido e impassível. Criatividade e sensibilidade artística que ainda como adolescente o conduz a uma fugaz incursão pela fotografia, para pouco depois, decorriam os primeiros anos da década de setenta – e ainda antes do 25 Abril –, participando na exposição colectiva do “Externato D. Infante”, começar a partilhar com o publico a sua revolucionária obra, em busca do original e não necessariamente do bonito, da qual constavam, depois de reciclados e transformados em peças de arte, objectos recolhidos na orla marítima de Santa Clara, em especial no Calhau da Areia.
Foi também em Santa Clara, no atelier que manteve onde antes fora a “tenda” de “Mestre Virgínio Barbeiro” – oh, muito longe nos levaria falar do mestre Virgínio e da sua tenda… – que Zé Manuel Cabral produziu aquela que sem risco de errar se pode afirmar ser a sua obra prima: o tríptico “A História”, que na tela dedicada ao capitalismo, onde representou o sentir e observar da actualidade de então, é por demais notória a presença de Santa Clara, ali ocupando quase por inteiro um cenário onde, em grande plano, como que flutuando sentado em pomposa cadeira, com fato negro e gravata cor de sangue, “o poder” – nisso o quadro mantém impressionante actualidade – manipula com destreza as suas marionetas.
No 1º de Maio de 1975, quando ainda nem completara vinte anos, Zé Manuel Cabral espevita Ponta Delgada com a exposição que instala em plena Praça Gonçalo Velho, uma mostra em as suas obras, em vez colocadas à venda, foram sim destinadas a trocas por artigos vários, incluindo frutas, legumes e tubérculos.
De 1977, ano em que ingressou na Escola Superior de Belas Artes do Porto, até finais de 1979, quando na sequência da intervenção cirúrgica com que esperava normalizar a sua vida esbarra serenamente com a morte, decorre o período mais rico e produtivo, contudo dramaticamente curto, daquele que o meio artístico haveria de consagrar como MEDEIROS CABRAL.
Santa Clara não esqueceu o filho dedicado, artista que a incorporou numa das peças mais representativas da sua obra. Mas a mais grata e justa homenagem seria a criação na localidade de um lugar onde o seu trabalho pudesse ser melhor conhecido e mais divulgado, o que bem podia acontecer na zona do “Castelinho”, integrado no plano de requalificação daquele imóvel e do seu espaço envolvente, completando-se assim a feliz transformação de que a área das "Cancelas da Doca" e seus arredores tem vindo a beneficiar.
A.O. 31/08/10; “Cá à minha moda" (revisto e ligeiramente acrescentado)