terça-feira, dezembro 18, 2007

Um presépio inesquecível

Quem, de entre aqueles que hoje se encontram pelo menos na “casa dos quarenta” (talvez até um pouco menos), que tenha vivido a sua adolescência em Santa Clara e arredores, não se lembra do “Presépio da Fábrica do Açúcar”?
Quando o Natal chegava, na memória dos habitantes daquela zona estava ainda o alvoroço causado pelas centenas de carroças puxadas por bois, com as altas cilhas de vimes carregadas até mais não poder de beterraba sacarina, que, literalmente, entupiam algumas ruas das redondezas. Bem presente também estava, no ar, o adocicado aroma da beterraba em transformação. Estas recordações, a insaciável curiosidade em ver por dentro (pouco que fosse) aquela instalação industrial, bem como o incontornável “espírito da época”, compunham o clima com que se preparava a visita ao presépio. Porém, transposta a porta do grande armazém de onde uma fragrância a verdura fresca sobressaía, habituada que estivesse a visão à escuridão de uma noite de Inverno bem simulada, logo a nossa atenção era dirigida a um cenário que, embora todos os anos semelhante, sempre nos parecia novidade: ao tradicional quadro bíblico sobrepunha-se o som característico de uma vigorosa chuvada, bem acompanhada de rasgados e luminosos relâmpagos, seguidos de temerários longos trovões.
Hoje, de novo, pode voltar a visitar este presépio. Em boa hora (já desde o passado ano) a Junta de Freguesia de Santa Clara – com a colaboração de José Manuel e Paulo Jorge Soares, descendentes de uma família que em Santa Clara, outrora, também montava um presépio movimentado – retomou esta iniciativa, reabilitando assim uma tradição interrompida durante décadas.
Fica o convite: passe por Santa Clara, visite o “presépio inesquecível”, acredite que a minúcia e engenho daquele trabalho merecem algum do seu tempo.
A. O. 18/12/07; “Cá à minha moda”

terça-feira, dezembro 04, 2007

Acordar e cair na realidade


Deambulava calmamente por uma marginal bonita, muito desafogada, bem desenhada, sobretudo pensada para servir e dar prazer aos cidadãos enquanto peões. Éramos – eu e quem me acompanhava – só mais três indivíduos entre os muitos que, tranquilos, livres e convenientemente afastados da “selva automóvel”, por ali também passeavam. Nem todos, como nós, lá estavam de férias e apenas fruindo o prazer de um fim de tarde. A maioria, gente com ar de quem tinha acabado um dia de trabalho ou transitava de um, para outro local de labuta, de forma especial os pais que passeavam crianças acabadas de sair da escola, davam a nítida sensação daquela ser a sua rotina diária. Todos porém reflectiam o agrado daquele momento de descompressão, do muito verde que os rodeava, dos confortáveis equipamentos públicos existentes (parques infantis sem conta) e da cómoda tranquilidade que deve poder ter quem sabe que a zona está servida por uma eficaz rede de transportes públicos, modo de a qualquer momento os levar de regresso a casa, ou, em alternativa, a um parque de estacionamento periférico. Nem o persistente chuvisco, e algum frio que se sentia, impediam aquele agradável bulício!
Despertei (só na minha cabeça ainda vagueavam recordações da curta, e muito recente, passagem por Bilbau)! Afinal estava já em Ponta Delgada, caminhando ansiosamente numa marginal congestionadíssima de tráfego automóvel, completamente sufocada por obras; as últimas das quais, para trazer ao centro ainda mais veículos.
Dá pena ver que o nosso desenvolvimento continua fazendo-se por cópia daquilo que outros, entretanto, já identificaram como errado. “Convidar” automóveis para o centro da cidade, tal como “alisar” orlas marítimas, só até meados do século XX foi sinónimo de progresso.

A. O. 04/12/07; “Cá à minha moda”