quarta-feira, setembro 28, 2011

Faltou o cartaz de boas vindas




Fazendo lembrar “velhos tempos”, de forma especial os da transição da década de 20 para a de 30 do século XX, começa a ganhar embalagem um pesado “rolo compressor”, ultra-centralista, que outra finalidade não tem do que esmagar a escassa autonomia entretanto conseguida. Tal como no advento do “Estado Novo”, a crise e os seus fantasmas estão a transformar-se no combustível ideal deste “espremedor”, um comburente que fica fortemente aditivado quando para além do mais a mescla é amparada por governantes portugueses com propensão autoritária.
Ultimamente – nalguns casos servindo de útil manobra de diversão com o intuito de relegar para segundo plano questões bem mais graves – não têm faltado demonstrações do imperial funcionamento da “trituradora”. A pretensão de transformar a RTP/Açores (a "RDP/A" tem sido pouco referida mas é também alvo de similar esmagamento) em janela “seja lá do que for”, tal como a oportunidade e a forma com que a “sentença” foi proferida, são disso bom exemplo.
Muitos outros exemplos não faltam, rivalizando em numero e espectacularidade com as, anormalmente frequentes, demonstrações de ignorância sobre a realidade dos Açores (e da Madeira) a que vamos assistindo com espanto, sobretudo quando oriundas de donde menos se esperaria. A recente visita para exibição de soberania, tal como o farto conjunto de patacoadas que gerou, não constituiu excepção a esta regra. Aliás, o oportuno passeio de um séquito de mais de meia centena de cortesãos e cortesãs às “Ilhas da Coesão”, que, como convinha, não poderia deixar de terminar em Ponta Delgada (“não tivesse Natália Correia sido cremada e, com certeza, no sábado passado não pararia de andar às voltas no caixão”, escreveu e tem dito, de forma mordaz, mas com graça, pessoa amiga), só foi excepção aos sacrifícios e à contenção de custos que por via da crise são constantemente recomendados e exigidos (aos outros). Claro que como não podia deixar de ser – está nos manuais: embora o Império devolva sempre menos do que aquilo que da parcela retira, as “ofertas” de contrapartida deverão ser feitas de modo a manter a aparência de que, não fora o ocupante, a “feitoria” jamais garantiria a sua subsistência –, à laia de justificação prévia foi dito que a pomposa viagem serviria para promover os Açores e os seus produtos.
Trocando o sério pelo irónico, resta dizer que os Açores foram de facto promovidos:

- Santa Cruz da Graciosa ganhou, de um momento para o outro, uma catedral;

- Os portugueses ficaram a saber que as vacas açorianas conseguem sorrir;

- E, até, o generoso “Queijo de São Jorge”, mesmo que reduzido a apenas dois quilos (foi o que se chamou fazer o "queijo de peso” perder peso) ganhou tempo de antena.

Faltou apenas – com grande pena minha – um merecido cartaz de boas vindas. Qualquer coisa do tipo: Obrigado Sr. Presidente: pelas suas birras, pelos seus vetos. / Desculpe lá se alguma vez teve de interromper férias por nossa causa. / Na próxima, não se esqueça, traga também os Loureiros, os Costas e todos aqueles amigos que nos estão a obrigar a “tapar um buraco” igual ou ainda maior do que o da Madeira. / Volte sempre (de preferência a expensas suas).


A.O. 27/09/2011; “Cá à minha moda" (revisto e acrescentado)

terça-feira, setembro 13, 2011

Anthero de Quental (18/04/1842 – 11/09/1891)


Solar do Bom Despacho, Rua direita do Ramalho, Santa Clara - Ponta Delgada - Açores
Propriedade pertencente à famíla de Antero de Quental, e por ele muito visitada

Casa onde nasceu Antero de Quental. Rua do Castilho, São Sebastião - Ponta Delgada - Açores

Por ser o nosso maior, porque nunca é demais recordar Antero, permitam-me que, com sua e vossa licença, o convoque aqui para este espaço.
Antecipadamente agradecido.
Ponta Delgada, 11 de Setembro de 2011

Excertos da carta autobiográfica enviada a Wilhelm Storck, Maio de 1887

“Nasci nesta ilha de São Miguel descendente de uma das mais antigas famílias dos seus colonizadores, em Abril de 1842.

(…)
Dela saiu, no século XVII. O Padre Bartolomeu de Quental, varão douto e de grandes virtudes, fundador, em Portugal, da Congregação do Oratório, e cujos sermões ainda hoje podem ser lidos com alguma utilidade. Meu avô, André da Ponte de Quental, foi da roda de Bocage, e, segundo o testemunho deste, poeta nada vulgar; infelizmente, nada resta das suas composições porque as não escrevia. A sua reputação morreu com ele.
(…)
Morrerei, depois de uma vida moralmente tão agitada e dolorosa, na placidez de pensamentos tão irmãos das mais íntimas aspirações da alma humana, e, como diziam os antigos, na paz do Senhor! – Assim o espero.”
Fotobiografia, INCM, Abril de 1986

E três sonetos mais ou menos a eito:

O Palácio da Ventura

Sonho que sou um cavaleiro andante.
Por desertos, por sóis, por noite escura,
Paladino do amor, busca anelante
O palácio encantado da Ventura!

Mas já desmaio, exausto e vacilante,
Quebrada a espada já, rota a armadura...
E eis que súbito o avisto, fulgurante
Na sua pompa e aérea formosura!

Com grandes golpes bato à porta e brado:
Eu sou o Vagabundo, o Deserdado...
Abri-vos, portas d'ouro, ante meus ais!

Abrem-se as portas d'ouro, com fragor...
Mas dentro encontro só, cheio de dor,
Silêncio e escuridão - e nada mais!

Sonho oriental

Sonho-me às vezes rei, n’alguma ilha,
Muito longe, nos mares do Oriente
Onde a noite é balsâmica e fulgente
E a lua cheia sobre as águas brilha…

O aroma da magnólia e da baunilha
Paira no ar diáfano e dormente …
Lambe a orla dos bosques vagamente,
O mar com finas ondas de escumilha…

E enquanto eu na varanda de marfim
Me encosto, absorto n’um cismar sem fim,
Tu, meu amor, divagas ao luar,

Do profundo jardim pelas clareiras,
Ou descalça debaixo das palmeiras,
Tendo aos pés um leão familiar.

Aspiração

Meus dias vão correndo vagarosos,
Sem prazer e sem dor parece
Que o foco interior já desfalece
E vacila com raios duvidosos.

É bela a vida e os anos são formosos,
E nunca ao peito amante o amor falece...
Mas, se a beleza aqui nos aparece,
Logo outra lembra de mais puros gozos.

Minha alma, ó Deus! a outros céus aspira:
Se um momento a prendeu mortal beleza,
É pela eterna pátria que suspira...

Porém, do pressentir dá-ma a certeza,
Dá-ma! e sereno, embora a dor me fira,
Eu sempre bendirei esta tristeza!


A.O. 13/09/2011; “Cá à minha moda" (revisto e acrescentado)

(um destes dias, após me decidir por quais, coloco mais um ou dois sonetos do "santo")

sexta-feira, setembro 09, 2011