terça-feira, fevereiro 28, 2012

Zeca Afonso, 25 anos depois





Só o tempo passa.
Parece ter sido ontem, quando logo depois do memorável concerto proporcionado por Zeca Afonso em Lisboa, num longo e também inesquecível serão, alguém que desde há muito acompanhava de perto o iconográfico baladeiro, relembrando alguns momentos do evento que ali estava ainda muito presente, enfatizava o esforço do cantor em superar as suas dificuldades, pois já se encontrava muito debilitado fisicamente.
Quatro anos depois, a 23 Fevereiro de 1987, Zeca Afonso deixava-nos. Partiu o homem, o poeta, o músico. Mas ficou a sua memória, a sua obra, a sua música, e com ela a forte e profunda mensagem que a mesma contém e integra. Ficou, e, por incrível que pareça, volvidos todos estes anos, continua actual: casos há, a fazer hoje tanto ou mais sentido do que aquele que fazia quando foi pensada, escrita, dita e cantada!
Como acontece com todos – ou quase todos – os visionários, Zeca Afonso pagou caro, nada recebeu em troca, e até pouco fruiu da saudável aragem que soprou após se terem esboroado as penosas barreiras que ajudou a derrubar. O que talvez Zeca Afonso nunca imaginasse – neste sentido ganhou, pelo menos a tal foi poupado – é que a sua obra, edificada com propósito de dar combate a uma ditadura já então contando quase quatro décadas, se mantivesse com tão grande actualidade outro tanto tempo depois de destituída “a velha senhora”.
Dá muito que pensar a contemporaneidade de, por exemplo, os “Vampiros”. Ora vejamos:

“No céu cinzento sob o astro mudo
Batendo as asas pela noite calada
Vêm em bandos com pés veludo
Chupar o sangue fresco da manada.

Se alguém se engana com seu ar sisudo
E lhes franqueia as portas à chegada
Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada.

A toda a parte chegam os vampiros
Poisam nos prédios poisam nas calçadas
Trazem no ventre despojos antigos
Mas nada os prende às vidas acabadas.

São os mordomos do universo todo
Senhores à força mandadores sem lei
Enchem as talhas, bebem vinho novo
Dançam a ronda no pinhal do rei.

No chão do medo tombam os vencidos
Ouvem-se os gritos na noite abafada
Jazem nos fossos vítimas dum credo
E não se esgota o sangue da manada.

Se alguém se engana com seu ar sisudo
E lhes franqueia as portas à chegada
Eles comem tudo, eles comem tudo
Eles comem tudo e não deixam nada.”




A.O. 28/02/2012; “Cá à minha moda" (revisto e acrescentado)

quinta-feira, fevereiro 16, 2012

Loas, lérias e sussurros perversos



Carlos César, Presidente do Governo dos Açores, escolheu Santa Clara para dizer que não existem freguesias a mais nos Açores. Como em política não há coincidências, e tendo o desígnio sido proferido por ocasião da inauguração de uma importante beneficiação na freguesia – a necessária, muito reclamada e desde há muito aguardada requalificação da “Rua Direita do Ramalho” –, a sua mensagem foi também, sem dúvida nenhuma, um sinal de reconhecimento ao muito e bom trabalho desenvolvido em Santa Clara desde que a localidade se afirmou como freguesia: realidade que “entra pelos olhos adentro” de todos – até mesmo daqueles que muito se empenham para que assim não fosse –, e é prova de como a proximidade, a tolerância, a actuação persistente e empenhada, sobretudo (como acontece no caso de Santa Clara) quando devidamente enquadradas num consistente projecto de cidadania activa, podem fazer milagres. Basta lembrar como era Santa Clara em 2005 e comparar com o que é Santa Clara hoje para constatar “o milagre” em tão pouco tempo realizado, prodígio que, não fora a “2ª Rua da Teimosia” – ou Via Marginal dos “bidãs” (nome que também lhe assenta bem) –, seria ainda mais notável.
Num outro registo – o da submissão (no caso dupla submissão) –, Berta Cabral, Presidente da Câmara Municipal de Ponta Delgada, escolheu o Carnaval para, a propósito de uma tolerância de ponto, que lhe era conveniente mas não queria que fosse entendida como afronta ao Primeiro-ministro de Portugal, mostrar uma oportuna subordinação ao Presidente do Governo dos Açores. Também aqui não existem coincidências (nem “Batalha de Limas” ou “ressaca” de Baile no Coliseu que o justifique), e não sendo coincidência tampouco é um bom sinal. Sobretudo quando o “Rolo Compressor Centralista”, hoje conduzido com os tiques autoritários que se conhecem, e que a cada dia que passa se manifestam com maior sobranceria, tem ao seu volante operadores que competem entre si pelo título de “campeão da insensibilidade social” ou da “arrogância política”, cujo exemplo máximo é o Ministro Relvas.
Hoje mais do que nunca – e de forma preferencial assegurando uma transmissão de testemunho geracional – a afirmação identitária dos Açores não pode ser tida como uma conveniência politica da ocasião, mas sim, e obrigatoriamente, como uma convicção, uma causa, um nobre dever a cumprir!
Os tempos que correm não diferem muito dos vividos em finais da década de 20 inicio da de 30 do século XX, e, é sabido, como, em pouco tempo, o “Rolo Compressor Centralista” colocado em marcha na época por António Oliveira Salazar, nuns casos esmagou, noutros seduziu e/ou absorveu muitos, uns quantos mesmo entre aqueles que ainda poucos anos antes andavam tão empolgados com projectos de aprofundamento da autonomia dos Açores.

Outro sinal dos tempos foi o sussurro feito pelo Ministro das Finanças de Portugal ao ouvido do “patrão” europeu. Se dúvidas haviam ficaram praticamente dissipadas. Há uma estratégia: passa por espremer e fazer sangrar quase até à última gota, para depois, o mais próximo possível das eleições, uma qualquer folgazinha poder ser dada “à laia de rebuçado”. Resta saber se os estrategas resistem, e, resistindo estes, se as vitimas desta estratégia, depois de “sangradas até ao limite”, sobreviverão com alguma utilidade?

A.O. 14/02/2012; “Cá à minha moda" (revisto e acrescentado)

quarta-feira, fevereiro 01, 2012

Jogo de espelhos com imagens invertidas



Na vida em geral, e na política em especial – sobretudo nesta, até porque, em política, os erros e/ou as mordomias de uns poucos são pagos com o “sangue suor e lágrimas” de muitos –, não há nada pior do que corrigir uma ou um conjunto de acções/intenções menos acertadas ou completamente erradas, com outra, ou outras tantas, de sentido diametralmente oposto. É do mais elementar bom senso emendar o que quer que seja gradualmente, por aproximações sucessivas, avançando no sentido daquele que foi entendido ser o “novo rumo”. Nunca de supetão! Já diz o povo que “quem muito arrocha pouco aperta”. É sabedoria popular, e, tenho a certeza, não será quaisquer Troikas e toikistas, Relvas e relvistas, uns e outros mais ou menos amparados pelo seu serviçal exército de fulanos e beltranos, quem, mesmo numa hora destas, contrarie o rifão popular.
Os sinais, tal como o rol de contradições que os realçam, já são visíveis!
“Trocando por miúdos”:
Sim. Já poucos suportavam o excessivo optimismo socrático que até recentemente nos foi “vendido”: também por isso, tornou-se desejada, se não mesmo inevitável, a mudança. O que não era espectável, nem há Troika que o justifique – por mais que o repitam para parecer verdade –, é que a correcção da “ilusão socrática” possa ser feita recorrendo à “terapia Relvas/passista”, um culto pelo empobrecimento que mais do que austero é miserabilista, castrador da confiança e da esperança, comprovadamente eficaz na transformação do mau em péssimo!
Sim. Não obstante a eficaz equipa de comunicação contratada para promover “a ilusão socrática”, foram os muitos “gatos” que não conseguiram passar por “lebre” (um só exemplo: o novo aeroporto de Lisboa e as suas localizações) o que mais ajudou a desmontar “um altar” corrompido por outras questões menores (de novo um só exemplo: a célere licenciatura de Domingo à tarde). O que não era espectável – pelo menos em tão curto espaço de tempo –, é que a “terapia Relvas/passista”, dando o dito por não dito e desde cedo afogueada pela troca de uns por outros (na EDP um António de Almeida por um Eduardo de Almeida, Catorga, de seu último nome, e na Administração das AdP uma colocaçãozita para os apaniguados Manuel Frexes e Álvaro Castelo-Branco), rapidamente esquecesse as “gorduras do Estado”, os “custos intermédios”, as grandes negociatas – e seus beneficiários – tipo PPP’s, BPN’s e BPP’s, para, em seu lugar, atacar com sofreguidão aqueles que já só têm osso. Ossos mal nutridos, nalguns casos a definharem até serem encontrados como cadáver depois de durante anos se terem arrastando a fazer “esticar” os parcos meios de subsistência com que sobreviveram (rendimentos mensais cujos valores chegam a ser a centésima parte dos auferidos por quem, não o devendo fazer, descaradamente, diz que cerca de 10.000 euros/mês são insuficientes para cobrir as suas despesas).

Pior só mesmo os reflexos que aqui (aos Açores) nos chegam “destes espelhos”: os pretextos que “a crise” proporciona para estrangular a escassa Autonomia no entretanto conquistada, sobretudo quando vindos de quem tem, e cultiva, tendências autoritárias (nunca será demais recordar os autoritarismos anteriores, nomeadamente aquele que em situação similar até com a moeda açoriana acabou). Os reflexos “destes espelhos”, que cegam, são tão ou mais perigosos quando mais submissa for a relação político-partidária entre os detentores do poder em Portugal e os seus “afins” nos Açores.
Uma subserviência que, por vezes (e para alguns), até admite entregar os dedos desde que lhes seja permitido “brilhar com os anéis”.
Há que resistir!

A.O. 31/01/2012; “Cá à minha moda" (revisto e acrescentado)