Se não fosse a compensação dos feriados da época também me libertarem de outras obrigações penosas, detestava o Natal! Em absoluto. Quer pelo seu espírito, quer pelo que realmente é. Postais de Natal. Prendas de Natal. Almoços e jantares de Natal. Visitas de Natal. Um nunca mais acabar de obrigações que, como dizia, só são algo suportáveis pelo facto de existirem outras que desaparecem. E as coisas tendem a piorar. De ano para ano. Se pensar nos postais, há uns anos safava-me apenas com meia dúzia deles. O mesmo com as prendas e almoços e jantares, que também aumentaram exponencialmente. Só as visitas é que se mantêm, talvez por serem menos contamináveis pelo vírus do consumismo. Quando damos por nós, estamos outra vez perdidos entre luzes e cânticos. De Natal. Num rodopio de compras e comidas. De Natal. Debitando palavras e votos de felicidade. De Natal. Sempre, ou quase sempre, em circuito fechado. Apenas ao nosso nível. Entre as nossas relações pessoais ou profissionais. Não contribuindo nada, ou quase nada, para melhorar nada. Só colocando entre parênteses, por umas horas ou por uns dias, aquilo que se retomará logo de seguida. Exactamente como antes. Continuando a dar o nosso contributo para o curso inexorável deste mundo de contrastes, cada vez maiores fossos, entre afortunados e deserdados. Como insistem em mostrar-nos as estatísticas. Por nossa culpa. Por nossa infinita culpa. Por continuarmos a assobiar para o ar, sossegando a consciência com estas horas ou estes dias do ano de espírito de Natal. Tribal.
Francisco Botelho. In "http://entramula.blogspot.com"
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