terça-feira, junho 05, 2007

ALARME NAS ILHAS

Porque amanhã é o 6 de Junho, hoje, deixo-vos na distinta companhia de Vitorino Nemésio, o criador da palavra “açorianidade”, com o hino por ele escrito aqui em Ponta Delgada (na noite de 11 para 12 de Março de 1976) quase meio século após a célebre missiva de Cruz de Celas. Fruam:

Torres de Ponta Delgada,

Araucárias da Horta, muros de Angra,

Nuvens, verdes profundos,

Campos de Março à lua:

Uma espada no mar, afarolada, sangra,

Ponta Delgada é tua.


Mas quem te deu assim pronome a estas paragens?

Quem separa estas ilhas?

Quem nos tira as viagens,

Os cais, as vacas, as filhas?


Placidez açoriana

Nos teus olhos de china,

Argolas de cigana: Passam-lhes cabos baleeiros:

Um pouco de amor a mais… e a borda guina!


– Orça! – diz o gajeiro.

E eu sem sal nos meus poemas!

Vais à cozinha? Traz-me caldo.

Pouco é o dinheiro: Vende os diademas.


Empunho açores de fogo, armo sotis às arvelas,

Que adriça picarota ardeu no teu cabelo?

Partiram todas as janelas,

Faço greve de zelo:

Nas palavras poupadas,

Nos amores escondidos,

Na graça do que é teu,

Mãos dadas que Deus nos deu.


Fuma, se queres!

Na cinza parda o vento verde esconde as bombas

Da independência.

Há sombras em todas as lombas,

Espírito Santo na violência.

À lâmpada me esperes.


Deves? o quê e a quem?

Um monte nos chega, a terra nos tem,

E a liberdade o que seria

Sem essas mãos de lança

E este ar de Santa Maria

Que tens, de barro, desde criança?


Olha a chuva nas couves,

Foge da erva molhada.

Um tiro. Não ouves?

Contigo ao pé não foi nada.


É o povo que finge,

O avião que passou:

Muda como uma esfinge

Ficaste alerta às ilhas do perdão

E a noite me acalentou.

Que geotérmico,

À bomba auricular,

É o teu coração,

Pois nunca rebentou de tanto amar,

Como a caldeira, de cachão.

Do próprio, in A. O. 05/06/07; “Cá à minha moda”