terça-feira, fevereiro 10, 2009

Recordando, também o chafariz da "rua dos milionários"


Mestre José Correia – o “velho Saldanha”, grande futebolista da década de trinta, e pai do “Saldanha” que alguns de nós ainda vimos jogar como aguerrido lateral do CDSC nos anos 50/60 –, pedreiro e retelhador apurado, era um homem reservado, quase solitário, que já carregava o peso de longos anos de uma vida dura, quando, naquele dia, surpreendeu com a exclamação que, quase meio século depois, ainda impele recorda-lo.
Chegava ao fim mais uma manhã de verão, com o aroma agridoce que durante a laboração da Fábrica do Açúcar impregna o ar em Santa Clara, reforçando a lembrança de que se aproximava a hora do almoço.
No canto em baixo da Rua do Carvão, aproveitando a largueza do irregular largo que ali se forma, um grupo de rapazes jogava ao berlinde. Debruçado sobre a laje de um antigo chafariz, já então sem uso, mas onde outrora se abasteceram muitos dos moradores das redondezas, o circunspecto “velhote”, recolhido no seu habitual silêncio, observava à distância os gaiatos.
Eis então que, num repente, tudo se agita. Uma pequena manada, no meio da qual se incluia um enorme touro, obrigam ao desvio das atenções dos berlindes para os bovinos. Era um animal imponente, e mesmo com movimentos tolhidos, fruto da corrente que partindo de uma argola presa ao focinho, após passar por uma das patas, era firmemente segura pelo tratador, causava enorme apreensão.
Receosos, os catraios acercaram-se do ancião, com a segurança que imaginaram assim obter permitindo-lhes observar de perto. Quando os animais dobraram a esquina os rapazes como que recarregaram energias, com um deles, aliviado, exclamando em voz alta:
- Que besta de touro!
Foi então que “Ti Saldanha”, interrompendo o seu habitual silêncio, asseverou:
- Pois é. Este menino está na escola e não sabe que um animal ou é besta, ou touro, ambas as coisas não!
E mais não disse. Foi suficiente. Marcou.

A.O. 10/02/09; “Cá à minha moda” (Revisto e acrescentado)