terça-feira, maio 11, 2010

Mário Soares, Cabo Verde e Açores

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São célebres a “gaffes” de Mário Soares, tal como foi também célebre o seu observar visionário, e a sua capacidade de antecipar acontecimentos, embora muitas das soluções encontradas não fossem as mais adequadas. “Gaffes” e originalidades à parte, Mário Soares continua polémico, como aconteceu recentemente no colóquio “Vozes da Revolução: Guerra Colonial e Descolonização”, no ISCTE, com a descabida e tardia revelação: "Eu sempre achei que Cabo Verde não deveria ter sido independente, não assisti à independência de Cabo Verde por isso mesmo".
Não posso concordar com Mário Soares. Nisto, como noutras coisas, estamos nos antípodas. Cabo Verde, felizmente, é já independente. Tal como o deveriam ser, também: os Açores, a Madeira e as Canárias. E determinante aqui não é o facto de Cabo Verde ser ou não África, que a ter em conta aquilo que Mário Soares diz que pensava, o não seria propriamente. Determinante sim é, para os arquipélagos do Atlântico Norte, que o incalculável valor da sua soberania é aquilo que mais pode contribuir para os desenvolver, fazer progredir, e, consequentemente, garantir melhores condições de vida aos habitantes de nações tão singulares, e valiosas, como os quatro arquipélagos macaronésicos.
É indiscutível que “o factor autonomia”, de 1975 para cá, trouxe aos Açores – e à Madeira – um indubitável desenvolvimento. Mas, mesmo sem recorrer a sofisticados estudos comparativos, só por má fé se não admite que Cabo Verde, neste mesmo período, em termos relativos – as potencialidades dos Açores e de Cabo Verde são incomparavelmente diferentes, tal como diferente, também para pior, era em 1975 o ponto de partida de Cabo Verde em relação aos Açores –, progrediu mais que os Açores.
Cabo Verde tem percorrido um invejável percurso, com os cabo-verdianos mostrando-se orgulhosos por viverem num país independente; um dos mais jovens do mundo, e o único dos PALOP, africano, em que a vida das populações melhorou após a independência. Não seria necessário muito mais para demonstrar as vantagens “do factor independência”. Mas há mais, bastante mais. Cabo Verde, apesar da mísera herança dos cinco séculos de dominação portuguesa (falta de luz eléctrica, de esgotos, de estradas e de escolas, com as poucas existentes apresentando um elevado défice de condições e professores), e não obstante a sua condição de deserdado pela mãe natureza (com falta de água potável, escassez de terra arável, com tudo isso causando uma enorme dependência de bens alimentares), é hoje, e cada vez mais, um país promissor, que ao invés da maioria dos seus congéneres africanos, tem revelando uma gestão eficiente e reprodutiva dos apoios internacionais que recebe, fazendo disso a chave do seu sucesso, um êxito que persevera. Vejamos: Ainda recentemente o Índice da Liberdade de Imprensa (RSF) colocou Cabo Verde entre os 50 países do Mundo com maior liberdade de imprensa (44º lugar), isso, enquanto Portugal, no mesmo período, descia do 16º para o 30º lugar. Significativo. E este é só mais um exemplo!
Por cá, Açores, onde para alguns as semelhanças com Cabo Verde ficam só pelo facto de também sermos um arquipélago desabitado quando os portugueses aqui chegaram – para outros, nem isso! –, só por estarmos mais a Norte, e porque a nossa mestiçagem é claramente mais europeia do que africana, fomos vítimas daqueles que em 1975 transpuseram o “Muro de Berlim” para o Atlântico.
Mas, acredito, melhores dias advirão!


A.O. 11/05/10; “Cá à minha moda"