terça-feira, março 15, 2011

Nem sempre o Carnaval são só três dias




Este foi um Carnaval diferente. Não, não me refiro ao carismático assalto que já acontecia vai para duas dezenas de anos, algures no Pico da Pedra, que este ano não se realizou. Aludo sim a um Carnaval longo, extenso demais, cuja também excepcional quaresma, esta sim, foi de três dias: a Quarta-feira cinzenta, do desagravo; a Quinta-feira tagarela, da censura; a Sexta-feira dolorosa, de mais um PEC. Ainda bem que logo de seguida houve um Sábado libertador, de protesto, de manifestação, de alegria. Aleluia! Levemos a preceito as três epístolas desta liturgia pós carnavalesca. Primeira. A da Quarta-feira do desagravo. Vindo de um pré vitoriano, que de si próprio dizia não ler jornais, nunca ter dúvidas e raramente se enganar, confesso que até concordei com a resenha. O que já não entendo foi a demora de Sua Excelência o Presidente da Republica dos portugueses em chegar àquelas conclusões. É que, bem vistas as coisas, nos últimos tempos (o último ano e meio, vá lá) a grande diferença verificada não foi ao nível da condição económica, nem de governação, mas sim na da sua situação pessoal: de pré candidato, antes, de candidato, depois, e agora de PR eleito. Quer dizer – mesmo que como conclusão precipitada: a preocupação de S. Excelência com os limites dos sacrifícios exigidos ao “pagode” (agora e antes) foi/é bem menos importante do que aquela que dedicou à sua estratégia eleitoral. Será que valerá a pena nascer duas vezes? Segunda. A da Quinta-feira tagarela. O resultado era fácil de adivinhar. Nem espantou que a ocasião fosse bem aproveitada para mais uma vez nos impingirem as putativas vantagens de ter um predestinado na chefia do governo. Já cansa, e ninguém acredita. A surpresa, esta, chegou no dia seguinte, quando, desta vez sem que o tempo funcionasse como amortecedor da incongruência, se fez jus a uma sentença desde há muito aceite pelo “futebolês”: “o que hoje é verdade amanhã pode ser mentira”. E foi! Terceira. A da Sexta-feira de mais um PEC. E neste corrupio, em louvor do Anjo (que como se sabe não têm sexo) Merkel, entidade agora mais venerada que Nossa Senhora das Dores em época Quaresmal, sem compaixão nem vergonha (como se na véspera se não tivesse “vendido” um mundo cor-de-rosa), eis que nos mandam apertar mais furos num cinto já a um palmo da fivela. Acabar com as mordomias de uns quantos, com o regabofe de outros tantos, com os privilégios e desperdícios de tantos mais, NÃO, porque não dá jeito! Cortar às cegas em quem já tem pouco, e fazer pagar caro quem já tem mais mês que ordenado, SIM, e a eito! A aleluia chegou no Sábado. É certo que o protesto no imediato vai resolver pouco, mas consola a alma. Estão “à rasca”, mas parvos não são.

São inquietos e irrequietos. Ainda bem. Sabem que ganham uns precários “quinhentos” quando outros da sua idade, quais Ruis Pedros Soares, só por serem servis e obedientes ganham cem vezes mais. Tal como sabem, também, que não é o “surfar a sua onda”, nem o comunicar por “facebook”, aquilo que pode levar outros agora tão prontos a identificarem-se com a genuína indignação que os move. Estão “à rasca”, mas parvos não são.

Começam a descobrir as virtudes da participação, da acção, da contestação, e fizeram-no de forma extraordinariamente empenhada, civilizada, com altíssimos níveis de tolerância e pedagogia. Estão “à rasca”, mas parvos não são.

Situam-se muito mais próximos da cidadania altruísta do que partidocracia ambiciosa, egoísta e calculista que está na origem do actual estado de coisas. E isto é bom. É muito bom. Mau será se estes sinais não forem convenientemente interpretados.


A.O. 15/03/2011; “Cá à minha moda" (revisto e acrescentado)