O pujante brado,
misto de gemido de dor e clamor de alívio, foi o ponto final de um longo e
difícil parto: o primeiro a acontecer no lugar da ponta delgada.
Serafim…Serafim…
Serafim… voltava a ouvir-se, agora de forma repetida e arrastada. Era como se
as paredes do algar que servia refúgio ao jovem casal, morada adoptada desde
que chegaram aquelas paragens, propagando a exclamação da aliviada mãe, também
dessem as boas vindas ao novo habitante do lugar.
Dissipado o eco
fez-se um momento de silêncio, permitindo voltar a ouvir o habitual som do mar,
em especial quando percorria, umas vezes calma outras furiosamente, aquela longa
restinga até bater nos contrafortes da rocha onde, quatro ou cinco metros
acima, a natureza vulcânica da ilha esculpira a gruta que abrigara Serafim e
Maria de Fátima, acolhendo a partir de agora também o filho do casal.
Aproveitando a quietude da ocasião, não mais que um
ápice embora não o parecendo, o jovem pai, também extenuado, fechou os olhos e
iniciou uma oração, logo interrompida pelo primeiro choro do recém-nascido. Suspendendo
a reza, ao reabrir os olhos Serafim pôde pela primeira vez contemplar o filho de
corpo inteiro. Ali estava ele, aconchegado ao peito da mãe, ainda com os olhos
fechados mas com a boca muito aberta, entretanto já liberto da maioria dos
vestígios de tão rudimentar quão eremítico parto, atraindo o olhar embevecido de
ambos os progenitores. Aquele fora o motivo da sua tão radical mudança de vida,
autêntica aventura, fruto de uma decisão tomada sem grande ponderação, porém nada
que, quatro meses passados, levasse ao arrependimento o casal fugitivo. Aquela
era a razão de terem abandonado tudo e todos, deixado o razoável conforto da
família, amigos e conhecidos; a causa da sua saída do já então promissor povoado
onde cresceram e conceberam aquele filho. Ali estava a razão de se terem refugiado
naquele ermo; da já visível transformação de um lugar que pelo seu esforço e determinação,
em menos de meio ano, se tornara habitável: até aqui só para ambos, agora também
para o seu filho, no futuro para os demais vindouros.
A.O. 151/02/2014; “Cá à minha moda" (revisto e acrescentado, incluindo o título)