sábado, março 01, 2014

Era uma vez o “solitário ermo” (II - estirpe), ou Estórias do lugar da ponta delgada (1.2)


Com o primeiro natal do “solitário ermo” coincidindo com o equinócio da Primavera aquele dia ficaria marcado nas suas vidas, literalmente com sangue, suor e lágrimas. Entretanto a noite chegava, também ela singular: a primeira desde que Serafim e Maria de Fátima se haviam fixado no lugar da ponta delgada em que já não contavam apenas um com o outro.
As noites daquele Inverno, além de frias e quase sempre adereçadas com o assustador barulho das vagas de sudoeste, tinham sido longas. Compridas porque se seguiam a um dia curto para o muito a fazer, infindáveis pelo desconforto de dormir no rude estrado que lhes servia de leito, mal abrigados, ali paredes-meias com a entrada do desafogado algar onde se refugiaram. Fora a extensão destas noites de inverno o que lhes permitia pensar aquilo que havia para fazer nos dias vindouros, nisso incluindo o estabelecer dos nomes a dar ao filho ou filha que estava para chegar. A escolha dos nomes, pelo menos dos dois primeiros dos vários filhos que desejavam ter, tinha sido o tema mais presente no pouco tempo livre até ali existente, por regra o início da noite. A bem da verdade, estes há muito estavam escolhidos, com as conversas tidas só consolidando as opções já feitas. De facto os jovens amantes, ainda no povoado de origem, olhando o mar ou o ilhéu que do oceano se erguia à sua frente, um cenário que os inspirou e incentivou para a fuga que depois ocorreria, logo que confirmada a gravidez de Maria de Fátima iniciaram a escolha dos nomes a dar aos seus descendentes. Fátima e Serafim facilmente ganharam consenso: Serafim por já ser o nome do pai, tal como do avô e de todos os primogénitos daquele ramo familiar, o clã galego dos Serafíns que agora nos Açores davam continuidade à longa experiência marítimo/piscatória acumulada ao abrigo da costa Oeste do Cabo Finisterra; Fátima por ser um dos nomes da mãe, Maria de Fátima, reabilitando o singelo nome da bisavó, Fatimah, a “moura encantada” que tantos corações tinha despedaçado logo que se tornara mulher, já nos Açores, onde aportara inserida na família que a adoptara em Portugal, ainda menina, recém chegada de Ceuta.

A.O. 011/03/2014; “Cá à minha moda" (revisto e acrescentado, incluindo o título)